quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

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Cidade do Vaticano, 21 de janeiro de 2010

A primeira coisa que me chamou a atenção na Cidade do Vaticano é o desejo deles de nos manter do lado de fora. Por todo o perímetro da cidade há uma enorme muralha – como um presídio de segurança máxima.

O Vaticano é um Estado independente, governado pelo Papa – que detém os poderes executivo, legislativo e judiciário, como num Despotismo (na verdade, o sistema de governo deles é a Monarquia Eletiva). É o menor Estado do mundo, tanto em população como em área. Isso não quer dizer, nem de longe – ao menos para mim – que seja o menor Estado em termos financeiros, ainda que sua renda seja baseada, oficialmente, “apenas” nas arrecadações da Igreja Católica por todo o mundo e no montante obtido com a exploração turística de seu complexo de museus.

Era isso que a gente tentava fazer naquele dia ensolarado – porém frio – nas ruas de Roma: encontrar a entrada dos Museus Vaticanos. Não demorou muito pra gente achar, comprar os bilhetes e começar nossa visita.

Entrar nos Museus Vaticanos é como entrar numa igreja quase infinita. Quase todos os corredores são pintados – paredes, tetos e vitrais – com temas religiosos. Eu sentia que era quase um desperdício estar ali, no meio de todas aquelas obras de arte e não conhecer quase nada de sua história. Ainda que pudesse apreciar sua beleza, passar por ali me parecia aquele tipo de visita “eu estive aqui”, nada mais.

- Beiço, o que tem de legal pra ver nesse museu? – perguntei pro meu irmão.

- A, um monte de coisas! O teto da Capela Sistina, que o Michelangelo pintou, por exemplo.

Disso eu já tinha ouvido falar. O famoso afresco de Michelangelo, que demorou quatro anos para ser concluído (a contragosto do artista, diga-se, por se considerar melhor escultor do que pintor) e se tornou um dos maiores patrimônios da humanidade.

De fato, de todas as “coisas famosas” que visitei no decorrer daquelas férias na Europa – O famoso pub The Cavern, onde debutaram os Beatles em Liverpool; O estádio da equipe de futebol Manchester United, chamado Old Trafford, em Manchester; O castelo medieval de Warwick; A Tower Bridge e o Big Ben em Londres; o Muro de Berlim; A Torre Eiffel, o Museu do Louvre e a Catedral de Notre-Dame em Paris; O Cenacolo Vinciano em Milão; A Acrópole em Athenas – este afresco é, junto com a Duomo de Milão e o Coliseu de Roma, o que mais me impressionou.

Boquiaberto, quase prendendo a respiração, eu olhava pra cima tentando não piscar, para não perder nenhum detalhe – como se pudesse gravar tudo aquilo em minha cabeça, simulando uma câmera filmadora que eu não tinha (e que tampouco poderia utilizar, se tivesse, pois é proibido). Difícil era andar sem pisar no pé de ninguém – e o salão estava lotado de turistas, talvez tão impressionados quanto eu.

O afresco não se parece uma pintura, e nem tampouco uma foto. Parece uma cena que está acontecendo. A noção tridimensional que o artista nos passa é impressionante! De qualquer ponto do salão em que se olhe, a gente acredita que os detalhes são entalhados na construção, e não “somente” pintados.

Michelangelo, como a maioria dos artistas da época, fazia “arte cristã” não tanto por seu fervor católico, mas unicamente porque a Igreja era um dos únicos meios de um artista sobreviver de sua arte. Vendo esse afresco, eu pensava: “Que caralho! Isso foi feito às custas de muito sangue, de muita exploração. Mas, se não fosse essa merda toda, o ser humano teria feito tantas coisas lindas como essa obra?”

Na cena mais famosa – talvez – do afresco, a Criação de Adão, eu fiquei um tanto intrigado. Ainda hoje me parece que Deus se esforça para dar a mão a um Adão um tanto preguiçoso e displicente.

Já vi, em algum lugar – acho que foi meu irmão quem me contou – que nessa cena, Deus está dentro de um cérebro humano, o que supostamente quer dizer que, para Michelangelo, Deus está só na cabeça do homem.

Talvez.

Pra mim, essa cena retrata um Deus que se esforça para ajudar seu filho, que não está lá muito interessado em receber ajuda. Que pessoa crente em Deus – seja lá qual Deus, o que realmente não importa – nunca ouviu aquela célebre pergunta: “se o ‘teu’ Deus existe, porque ele deixa todo mundo se foder?”?

Eu respondo assim, pra mim mesmo, quando me faço essa pergunta: 1 – Deus não é responsável por nossos atos, NÓS somos; 2 – Deus está sempre presente, falando e mostrando o caminho certo, NÓS é que não vemos (ou fingimos não ver); 3 – Se foder faz parte do crescimento.

Depois de muito caminhar e de conhecer até os túmulos de todos os papas, nós saímos dos Museus Vaticanos. Estávamos na famosa Praça de São Pedro – aquela praça enorme, com um obelisco no centro, que sempre passa na TV quando se fala do Vaticano, onde é irresistível tirar uma foto com algum Guarda Suíço e impossível não lembrar do Anjos e Demônios de Dan Brown – quando começamos a falar (eu e a Bru) de um assunto que me incomodava há alguns dias:

- ...e quando eu li aquele artigo no site do Yahoo, eu pude entender o que a Ná tentou me mostrar por tanto tempo. Eu sou um sofista...

Expliquei pra Bru que o artigo em questão falava dos “sofistas do dia-a-dia” ou algo assim - aquelas pessoas que, numa discussão, não querem achar uma solução; querem apenas impor a própria opinião como se fossem os donos da verdade e para isso utilizam argumentos aparentemente lógicos – mas que são absurdos – e, pior, partem para ataques pessoais menosprezando seu interlocutor.

- ...sempre que a gente discutia, eu acabava machucando muito e muito profundamente a Ná...

Em sete anos de relacionamento, isso aconteceu um sem número de vezes. E antes da Ná, aconteceu com a Pianista também.

- ...e o pior é que eu nem me dava conta disso. Eu ficava tão cego buscando um argumento para derrubar o argumento dela que nem ouvia o que ela estava argumentando. E quando não encontrava argumento, atacava a auto-estima dela. Acho que essa é a pior coisa que se pode fazer a outra pessoa: atacar sua auto-estima. Não era raro ela acabar chorando e dizendo: “um dia você vai se dar conta de tudo isso, e vai sofrer demais...”

De fato, hoje eu sofro muito por tudo aquilo.

- Mas pelo menos agora você se dá conta disso, sabe que tava errado e pode melhorar. – disse a Bru.

- É, isso é verdade. Mas eu temo que não tenha mais uma segunda chance com a Ná. Acho que meu casamento acabou.

Um comentário:

  1. oi!!!! e muito interesante seus relatos, sinto um pouco como uma lavagem de alma. gosto!!!quando eu seje grande quero escrever como vc!!!

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