quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

018

Berlim, Alemanha, 09 de janeiro de 2010.

A Segunda Guerra Mundial foi o conflito mais feroz – e insano – da história humana recente (talvez de toda ela). Afora todos os combates e todas as vidas perdidas, houve casos ainda mais extremos, como o dos judeus que sofreram com o genocídio, o dos japoneses com as bombas atômicas e o dos alemães – pivôs do episódio – que tiveram seu país destruído e divido entre os “vencedores”, ao final da guerra.

Essa divisão ilustrou o que viria a ser o cenário mundial por muitas décadas depois: um mundo bipolar sob uma guerra ideológica entre capitalistas (liderados pelos Estados Unidos da América) e comunistas (liderados pela União Soviética), os dois “vencedores” da Segunda Guerra.

Tudo isso, para mim, não passava de teoria, de matéria do colégio ou tema de filmes e documentários. Foi assim até aquele momento. Fazia muito frio. MUITO frio. O céu estava completamente tomado por nuvens plúmbeas e nevava generosamente. O vento, gelado, cortava a jaqueta, a pele e a carne – com uma facilidade incrível – e congelava a alma.

- Robson, coloque mais uma blusa! – advertiu minha mãe, antes de sairmos do hotel.

Andando em direção ao nosso primeiro destino “turístico” na capital alemã, eu me arrependia de não tê-la escutado. A verdade é que eu não podia tê-la escutado – não naquela manhã, quando havia acordado mais rabugento que o normal. Ali na rua, porém, já com domínio de minhas faculdades mentais (depois de esquentar meu velho carro a álcool), só me restava suportar o frio.

Berlim se parece um pouco com São Paulo. Tem avenidas largas, prédios altos, linhas de trem, metrô, ônibus. Não fosse toda essa neve, as palavras ilegíveis por todos os lados e os sons dos diálogos alheios – totalmente estranhos aos ouvidos – eu pensaria estar em casa.

“Caraca! Ainda é difícil acreditar que eu estou aqui” – pensei – “de repente o mundo começa a se tornar algo palpável. Não, melhor: algo real! Estranho é que eu nunca pensei, nem uma vezinha sequer, que iria conhecer esse lugar, e agora estou aqui”. Eu estava emocionado. Sou muito grato ao meu irmão por essa (e outras) vivência que ele me proporcionou.

Andamos um pouco mais e chegamos, finalmente. O pedaço preservado do Muro de Berlim parecia inofensivo – e de fato era, como sempre fora. O problema era os homens ao seu redor. Sempre os homens. O Muro de Berlim simbolizava a divisão do mundo e, mais do que isso, simbolizava a incapacidade humana de olhar além de seu próprio umbigo.

Sobre o que vi, não há muito o que dizer. O Muro não mais impedia os alemães de ir e vir, de escolher entre viver o capitalismo ou o socialismo (essa era a função do Muro, dividir a cidade entre Berlim Ocidental, território capitalista, e Berlim Oriental, território comunista). Sua função era, agora, impedir o esquecimento daquele episódio nefasto. Essa função aquele pedaço de pedra de quase três metros de altura, com uns trinta centímetros de largura e uma extensão que não posso calcular, hoje pintado (“graffitado”) com mensagens pacíficas, cumpre muito bem.

Sobre o que senti, ainda procuro palavras. Palavras para compreender meus sentimentos e, depois, compartilhá-los. É uma coisa um tanto complexa. Algumas coisas eu descobri: não sou capaz de tomar partido – fico triste pelos dois lados, pois aos meus olhos, todos são vítimas; não fico completamente triste com essas histórias (talvez uns 90%), pois de alguma maneira eu sei que estamos evoluindo (mesmo que a passos lentos) como seres humanos.

Passeamos mais um pouco. Visitamos o famoso Portão de Brandemburgo – espécie de arco do triunfo, que existe desde meados do século XVIII, de construção no estilo gótico – onde alguns artistas de rua fantasiados de russos e americanos tiravam fotos com turistas; depois o Monumento ao Soldado Russo (uma homenagem aos dois milhões de soldados soviéticos mortos na Segunda Guerra), onde há uma estátua enorme de um soldado vermelho, um tanque e um canhão de guerra - coisas com as quais faço questão de posar para uma foto. Dali, visitamos o Reichstag, importante edifício alemão que abrigou os governos daquele país, inclusive o governo de Hitler, e depois, visitamos o Monumento aos Judeus Assassinados da Europa.

Neste último, mesmo sem saber, fizemos uma linda homenagem às vítimas do holocausto. O monumento é um campo extenso, repleto de blocos de pedra que desconheço o nome (me parece algo como um granito negro), com dimensões variadas (alturas que vão de dois a quase cinco metros), dispostas de maneira a formar uma espécie de labirinto.

Nós não choramos. Não rezamos. Sequer ficamos em silêncio. Eu, minha mãe, meu pai, meu irmão e minha irmã (cunhada) fizemos a mais divertida guerra de bolas de neve que eu já vi. Correndo entre os blocos, cada um por si, não se podia adivinhar de onde viria a próxima bolota – mas ela certamente viria. Cheios de alegria, rindo e sorrindo, nós celebramos a vida. Existe melhor maneira de respeitar a morte que celebrar a vida?

De lá, seguimos para o Checkpoint Charlie. Nesse lugar, na antiga fronteira entre os dois lados da cidade, funcionava um posto militar para a passagem de estrangeiros e membros das forças armadas, da Berlim Ocidental para a Berlim Oriental. As pessoas do lado ocidental tinham o direito de ir e vir, de transitar entre os dois lados, mas as pessoas do lado oriental não tinham esse mesmo direito. A vida seguiu muito dura para os alemães, mesmo com o término da guerra.

No Checkpoint Charlie há um museu sobre a vida dos cidadãos alemães no pós-guerra. É incrível o número de pessoas que morreram ao tentar, desesperadamente, atravessar o Muro de Berlim. Mais incrível, porém, é o número de pessoas que lograram fazer essa travessia, e a forma como conseguiram isso.

Há, em exibição nesse museu, carros modificados para levar pessoas encolhidas sob o capô, malas de viagem utilizadas com o mesmo propósito e até mesmo uma máquina voadora utilizada para cruzar a fronteira pelo céu.

A vida não tem explicação. Seres vivos e coisas inanimadas são feitos da mesma coisa, mas há algo que distingue uns dos outros, algo inexplicável. Não se pode dizer como a vida começou e como vai terminar e, por isso mesmo, há que se respeita-la.

Eu não tinha noção da magnitude da vida. Do valor da vida. Ainda não tenho – mas aprendi que é algo infinitamente maior do que eu, e por isso eu a respeito. Respeito a vida – não só a minha, como a dos meus semelhantes, dos animais, dos insetos, das plantas.

A vida tem que ser estudada, compreendida, preservada e, acima de tudo, celebrada. Isso está bem claro, por toda Berlim, e essa lembrança vou carregar pra sempre comigo.

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