sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

013

São Paulo, Brasil, segundo semestre de 2003.

Em plena primavera, o dia não podia ser mais agradável. O sol estava quase no centro do céu – era quase uma hora da tarde – e fazia calor. A praça tinha uma grama verdinha muito bem cuidada, umas árvores grandes onde alguns canta-ventos tilintavam e muitas flores, de todas as cores.

A Ná estava tão linda quanto o dia. Seus longos cabelos estavam soltos, em suas orelhas havia brincos grandes – daqueles de argola – e seu rosto mestiço (meio brasileiro, meio japonês) exibia um sorriso encantador. Ela vestia uma bata azul celeste e calça jeans.

“Caraca. Isso não é normal. A gente não tem nem seis meses de namoro. Como eu posso amar tanto uma pessoa que eu nem conheço direito? Como eu posso pedir uma coisa dessas pra ela? – pensei.

- ...então, eu trabalho na Seicho-No-Ie desde o começo do ano – a Ná falou.

- Mas o que é, exatamente, a Seicho-No-Ie? – perguntei.

- É tipo uma religião, mas não é exatamente uma religião...

- Como assim?

- O Mestre Masaharu Taniguchi, fundador da Seicho-No-Ie, sempre disse que não se trata de uma religião, mas sim de uma filosofia de vida. A Seicho só tem esse status de religião porque deu um rolo na segunda guerra. Eu não sei exatamente o que houve, mas o governo japonês mandou que o mestre definisse a Seicho como religião – acho que foi isso.

Enquanto ela falava, eu mal podia prestar atenção em suas palavras. Não que eu fosse mal-educado, mas sempre tive um certo desvio de atenção – principalmente quando falo com mulheres bonitas. Naquele dia, porém, minha falta de atenção vinha de certo pedido que eu queria fazer à ela.

- E qual é a dessa filosofia?

- Bom, Seicho-No-Ie significa, em japonês, “lar do progredir infinito”. A idéia do Mestre era auxiliar as pessoas a progredir espiritualmente, para que todos possamos viver bem e felizes. Ele pesquisou muito a fundo quase todas as religiões e descobriu que, na essência, todas elas são iguais...

- Eu sempre pensei algo assim...

- ...e que todas elas pregam o amor ao próximo, e por isso ele sempre fala do cristianismo e do budismo, por exemplo.

- E você, é adepta da Seicho-No-Ie?

- Sim! Eu sou cristã, mas não sou católica nem evangélica.Comecei a ler os livros do Mestre e gostei muito, por isso me tornei adepta.

- E como você conheceu a Seicho?

- Foi por causa da minha mãe. Ela é adepta e faz algumas reuniões com outras adeptas lá em casa.

- Entendo. Eu tenho vontade de ler alguma coisa do Mestre...

- É? Vou te dar um livro dele então. Vou te dar o “Livro dos Jovens”, é muito bom. De fato, o livro é incrível. O li em uma tarde, mas seu conteúdo é pra vida toda.

Interrompemos a conversa para nos beijar um pouco. Não, muito. Apesar de nosso namoro não ter nem seis meses, nós nos gostávamos muito, e há muito tempo. Já éramos melhores amigos desde o ano anterior – 2002 – quando começamos a estudar na mesma classe. Sempre conversávamos muito, e cada vez mais descobríamos pontos em comum. Por isso mesmo eu não tinha dúvidas de que gostaria de fazer aquele pedido. Só faltava um pouco de coragem.

- Sabe o que eu tava pensando? – perguntei.

- Não...

- Sabe, já que você tem o sonho de ser professora, acho que a gente poderia abrir uma escola juntos, o que você acha?

- Uma escola?

- Sim! Veja, eu acho que a educação é a base de tudo. Nós poderíamos ter uma super escola particular, referência de ensino! Dessa forma, a gente ganharia muito dinheiro e teria condições de oferecer bolsas de estudo para os mais pobres...

- Nossa, que idéia excelente! Mas como a gente faria isso?

- A, sei lá. A gente poderia ir pro Japão, trabalhar que nem uns camelos, juntar uma grana e voltar pro Brasil, pra fazer isso...

Ao falar essas últimas palavras, me emocionei um pouco. Lembrei do pedido que queria fazer. A tardezinha já queria virar noite, o movimento de pessoas (que saíam do trabalho e esperavam a hora de entrar na escola) começava a aumentar e a calmaria da praça se esvaia.

- É né? Sabe que eu tenho meus tios e primos no Japão? Eles sempre me falam que lá tem que trabalhar pra caramba, mas o dinheiro vale a pena – para os brasileiros, porque os japoneses não trabalhariam para ganhar o que ganha um brasileiro no Japão, e tampouco fariam o tipo de serviço “sujo e/ou perigoso” que geralmente fica a cargo dos estrangeiros.

- A, eu não me importo em trabalhar tanto por uns 4 anos...

- Mas e a música? Você não pode deixar a música de lado!

- Não vou deixar de lado, vou continuar praticando. A verdade é que eu não vejo como fazer sucesso com a música, sabe? Me parece muito difícil. Talvez seja melhor o lance da escola, é algo mais concreto, que depende só de mim...

- É, talvez. Mas ó, na nossa escola, a gente pode fazer um super departamento de música pra você tomar conta!

- Isso! Fechado!

A gente pensava de forma muito parecida em quase todos os aspectos. A verdade é que, naquela altura do nosso namoro, eu achava que a gente pensava de maneira igual sobre todos os assuntos. Tínhamos muitos sonhos e, mais do que isso, tínhamos uma capacidade incrível de adaptar os sonhos de cada um para construir um sonho único.

Ficamos um tempo calados, olhando um para o outro. Ela estava sentada no meu colo, meio de lado. Eu a abracei e repousei meu rosto no seu colo, naquele espaço acima dos seios e abaixo do pescoço. Podia ouvir as batidas do seu coração. Fiquei ali por uns instantes, pensando no que iria pedir a ela. Não no pedido em si, mas nas implicações do que viria depois do pedido, qualquer que fosse a reação dela. Nem de longe eu poderia imaginar o que se passaria.

Respirei fundo.

Tomei coragem.

Respirei fundo outra vez.

Tomei um pouco mais de coragem.

Ergui minha cabeça e olhei diretamente nos olhos dela. Não podia sentir mais nada naquele momento. Então, finalmente, falei:

- Casa comigo?

...

Silêncio.

...

- Sim. É claro que sim!

Nenhum comentário:

Postar um comentário