sábado, 18 de dezembro de 2010

015

São Paulo, Brasil, segundo semestre de 2009

A atmosfera estava tão carregada de energia negativa que pesava uma tonelada sobre meus ombros cansados e doloridos. Já era noite, mas o céu nublado escondia as estrelas e a lua, como se ninguém quisesse testemunhar aquela cena triste.

A cozinha estava imunda, como toda a casa – e assim esteve o dia todo. A pia suja, a louça suja, o chão sujo. No chão, aliás, ainda estavam os cacos de vidro dos copos que joguei na parede, num acesso de fúria incontrolável.

Sou assim quando perco a cabeça – incontrolável. Fico cego, não vejo nada, não reconheço ninguém. Uma força esmagadora parte do meu abdômen e se espalha por todo meu corpo, tentando sair de alguma forma. Meus músculos ficam rígidos, meus olhos vermelhos, minhas veias saltam por todo o corpo, meu coração acelera e minha cabeça dói.

Lá no fundo do teatro, minha consciência – impotente – pode apenas assistir o desenrolar da tragédia desenvolvida pelos meus atos insanos. Pior que agressão física, eu tenho um talento especial para ferir as pessoas com as palavras. Sou capaz de derrubar qualquer um com as palavras, cortar-lhe a carne e faze-lo sangrar até a morte – até a morte da alma. Me pergunto se todas as pessoas passam por isso.

Sentado na pequena escada de acesso à cozinha de nossa casa, eu chorava desconsoladamente. A Ná não pôde entender o que se passava. Havia alguns instantes eu gritava e gesticulava acintosamente e, de repente, me sentei na escada e comecei a chorar. Eu pensava:

“...isso não está certo. Deus, isso não pode estar certo. Ela está sofrendo demais. Eu estou sofrendo demais. Por mais que ainda a ame, eu não posso continuar com isso. Não podemos seguir brigando e discutindo dessa forma...”

Aquela tinha sido uma briga colossal – uma de tantas outras.

“...eu simplesmente não posso esperar que ela tome uma atitude, que se separe de mim. Eu sei que ela ainda pode suportar muito sofrimento em nome dessa união, mas isso não está certo. As pessoas não deviam sofrer por estar juntas, pelo contrário...”

Eu soluçava tanto que parecia uma convulsão.

“...ela não pode entender o que quero dizer; ela não pode entender o meu lado...”

De fato ela não podia. O que eu não sabia era que eu tampouco podia entender o lado dela. E como ela tinha razão.

“...eu não sei como isso vai acontecer, mas eu quero me separar. Nós vamos nos separar. Deus, por favor, me ajude. Me ajude a me separar dela, para que ela possa seguir sua vida e voltar a ser feliz. Eu confio em você. Muito obrigado.”

Alguns instantes depois a Ná, que também tinha os olhos inchados de tanto chorar, me abraçou e me alentou – ela sempre foi muito generosa. Ela disse:

- Ei, calma. Já passou. Tá tudo bem agora...

Naquele momento o universo começou a preparar nossa separação.

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