segunda-feira, 16 de maio de 2011

061

Buenos Aires, Argentina, 22 de janeiro de 2011.

Enquanto troco mensagens pelo MSN com o Leo, vou repassando mentalmente tudo que lhe quero dizer. Pra mim é algo muito difícil falar pra ele que tô saindo com a Flori. Na verdade, eu não pude nem dizer pra ele quando pintou um clima entre a gente pela internet, quando eu ainda tava em Montevidéu. Difícil dizer pra um amigo que a gente tá saindo com a moça que ele também queria.

Penso: “che, preciso te falar uma coisa e acho que você vai ficar bravo comigo – você tem o seu direito. Vou te falar de cara, sem rodeios: estou saindo com a Flori. Eu sei que, quando a gente a conheceu no hostel em Montevidéu, você falou que tava afim dela e tudo mais. Pois quando você disse isso, eu tentei ficar distante dela, sem dar muito papo, até sendo grosseiro, pra deixar o caminho aberto pra você. Pode perguntar pro Emerson, ele vai te dizer. Quando a gente voltou pra Buenos Aires e começamos a sair com ela, eu quase nem falava com ela. Nem no Facebook eu a tinha adicionado nem nada. Depois, quando fui pra Montevidéu pela segunda vez, com o Emerson, eu adicionei ela no Facebook porque achei que não tinha nada a ver. O problema é que a gente começou a bater papo e a conversa fluiu, sei lá. Não sei exatamente como a gente entrou no assunto, mas ela me falou que desde a primeira conversa se interessou por mim. Poxa, a Flori é bonita, e muito legal. Não quero entrar nesses detalhes. Quando você me falou que tinha falado com ela e que não rolou nada entre vocês, eu senti que não precisava mais me segurar – rolou uma química entre a gente, não há culpa nem culpados... Eu estou em Buenos Aires agora, de novo, porque ela me deu uma força. Nessas conversas que a gente teve pela internet, ela me ajudou a ver algumas coisas e tomar algumas decisões – eu vou procurar uma faculdade de jornalismo aqui, porque eu sempre gostei de escrever e sempre me dei bem com isso. Vou procurar um emprego e me instalar direito por aqui. Eu espero que você me entenda, porque eu não fiz nada por mal, simplesmente aconteceu. Quero que você saiba que ela é especial pra mim, não é só uma garota com quem vou sair uma ou duas vezes. Pode parecer esquisito pra você, porque você sabe da Táta e da Anni, sei lá. Eu também não posso explicar. Na segunda vez que saí com a Flori, por exemplo, aconteceu uma coisa que me deixaram as coisas bem claras: ela levou uma amiga dela junto, a melhor amiga, pra eu conhecer. A fulana é estudante de psicologia também, e eu senti que ela tava me analisando o tempo todo – elas não aceitam que eu não tenha te falado nada até agora, sobre estar saindo com a Flori. Eu sei que isso não foi correto, mas é uma coisa muito difícil de falar, acho que você entende. Só sei que eu fiquei tenso aquela noite, é muito difícil ouvir sermão de uma pessoa que pensa que te conhece, que pode te analisar assim, com meia hora de conversa. Fiquei de saco cheio, e a Flori notou. A Flori me perguntou o que eu tinha, e eu falei: meu, dá um tempo. Se eu ainda não falei com o Leo, é porque a oportunidade ainda não surgiu, sei lá. Não quero magoá-lo. Você não precisa me pressionar tanto. Poxa, eu tenho passado coisas complicadas aqui, desde que cheguei de Montevidéu anteontem, e você sabe. Eu ando super estressado, não tenho muita cabeça pra falar com o Leo. Dá um desconto. Nessa hora ela meio que se tocou, me disse que não notou que eu tava tão estressado porque eu tenho “estrutura”. Perguntei pra ela o que ela quis dizer com isso, mas ela não entendi muito bem o que ela respondeu, então lhe falei: não sei porque te parece que eu tenho estrutura, mas nesse momento, eu não tenho nada na Argentina nem tampouco no Brasil. Nessa hora eu comecei a ficar emocionado – é uma merda ficar emocionado perto de mulher, não gosto de ser chorão. Falei pra ela que a única estrutura que eu tinha na Argentina era o apoio dela, que ela me falou que vou ter até quando queira. Vê porque ela é importante pra mim? Bom, é isso. Espero que você possa me entender, porque eu não fiz nada de propósito, nunca quis te sacanear nem nada parecido. Que me diz de tudo isso?”

Começo a falar com ele sobre o assunto:

- Che, preciso te falar uma coisa e acho que você vai ficar bravo comigo – você tem o seu direito. Vou te falar de cara, sem rodeios: estou saindo com a Flori.

- Isso não é falar de cara, é falar por MSN. – ele responde.

As coisas não saem exatamente como eu queria, mas saem exatamente como eu pensei – ele ficou puto. Sequer me deixa dar uma justificativa. Fala que precisa tomar café da manhã e desconecta. Não digo que me sinto feliz, mas sei lá. Acho que agora é melhor dar espaço pra ele. Quando ele sentir-se pronto para falar sobre o tema, vai me procurar. Vou esperar ele me procurar. Melhor.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

060

São Paulo, Brasil, 2003.

“Merda, o que eu vou fazer? Não tenho dinheiro nem pra pagar o ônibus. Ainda que isso não tenha a mínima importância pra Ná, eu morro de vergonha.” – pensava, num misto de desespero, impotência e tristeza.

O dia estava meio nublado, era outono (ou inverno, sei lá) em São Paulo e, ainda que o frio não fosse tão rigoroso como pode ser em outras partes do mundo, pode-se dizer que estava muito frio para os padrões paulistanos. Mesmo dentro do apartamento, com as janelas fechadas, uma blusa e uma calça se faziam necessários.

Eu já estava pronto pra dizer a Ná que tava duro – não adiantaria pedir dinheiro pra mãe ou pro pai – quando de repente, num passe de mágica, tudo se resolveu. Ou mais ou menos isso.

- Toma Robson! – disse meu irmão.

As notas de vinte reais eram novidade naquela época e, por isso mesmo, eu ainda não tinha manuseado muitas como aquela que meu irmão acabara de entregar-me, dobrada de maneira a assumir ¼ de seu tamanho normal.

- Ué, por que você tá me dando isso? – perguntei, surpreso.

- Por nada, presente! – falou o Má, com um sorriso no rosto.

“Uau! Parece que ele adivinhou que eu tava completamente duro e precisando muito de dinheiro pra sair com a Ná!” – pensei, enfiando a nota (ainda dobrada) no bolso.

- Valeu! – agradeci.

Receber aquele dinheiro foi um verdadeiro alívio. Eu não podia cancelar aquela saída com a Ná, e não por vergonha de dizer que tava sem grana. A gente tava indo fazer a prova do ENEM e não podíamos perdê-la por nada no mundo. Feliz da vida, eu falei pra Ná:

- Não precisa levar o seu dinheiro, eu tenho suficiente pra nós dois!

Saímos.

De mãos dadas descemos as escadas do prédio, cruzamos praticamente todo o condomínio onde eu morava, atravessamos a Avenida do Arvoreiro, passamos pelo posto Esso e chegamos no ponto de ônibus, onde esperamos alguns minutos até embarcarmos num coletivo da linha “Metrô Jabaquara – Pq. Residencial Cocaia”.

A Ná passou pela catraca primeiro, enquanto eu entregava a nota de vinte reais, ainda dobrada, para o cobrador. Esperei o troco antes de também passar pela catraca, mas o que recebi não foi exatamente o que esperava.

- Você tá me zuando? Tá querendo me enganar? – esbravejou o cobrador. Não entendi nada.

- Por quê? O que houve? – perguntei, espantado.

- Por que o que, rapá? Tá achando que eu sô moleque?

- Não tô entendendo – disse, com uma cara de surpresa que parecia enfurecer ainda mais o cobrador, que pensava ser dissimulação minha.

- Essa merda é falsa porra! Você achou que eu ia cair nessa?

Foi então que eu vi a nota desdobrada na mão do cobrador. Nem sequer era uma nota falsa – era um desses “flyers” de ação promocional de financeiras, onde uma das faces tem impressa a imagem de uma nota e, na outra face, as condições de empréstimo de dinheiro. Obviamente a nota de vinte reais foi escolhida pela financeira por ser novidade. Eu fiquei sem palavras, e sem chão. Por um instante – talvez mais breve que um segundo – as coisas se moviam em câmera lenta, sem sons, como nesses filmes de ação que imitam aquela célebre cena de “Matrix”.

- Cara, eu não sabia, juro! – falei, quando voltou a fala.

- Cê acha que eu vou cair nessa? Vou mandar o motorista tocar pra delegacia!

Nesse meio tempo, a Ná conseguiu com alguém (um conhecido de algum lugar que por coincidência tava no mesmo ônibus que a gente) um vale-transporte (naquela época ainda eram de papel, em SP) e pagou a dela, já que ela havia girado a catraca.

- Por favor, deixa eu passar por baixo – pedi, com toda a cara-de-pau do mundo. Sim, eu tava desesperado.

Talvez o fato de receber a passagem da Ná tenha acalmado um pouco a ira do cobrador e, como por milagre, ele deixou-me passar por baixo da catraca e seguir viagem. Fomos para a parte de trás do coletivo, perto da porta, onde botei a cabeça no colo da Ná, ainda abalado. Enquanto ela dizia pra eu me acalmar, eu podia ouvir o pessoal falando: “a mocinha não teve culpa de nada! A culpa é do rapaz, ele que é um safado!”.

Descemos do ônibus na parada perto da Universidade Ibirapuera, onde fizemos a prova. Tivemos que voltar andando para o apartamento – pelo menos a gente gostava de caminhar e conversar. Quando chegamos em casa, contamos aos risos tudo que aconteceu. Alguns meses depois, recebi uma carta com as notas do exame: 73 na parte de questões objetivas e 100 na redação.