segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

016

São Paulo, Brasil, segundo semestre de 2009

A Escola Técnica de Artes de São Paulo funciona num terreno onde, alguns anos antes, estava o presídio do Carandiru – famoso pelo livro e pelo filme homônimos, que contam a história do famigerado massacre de presos. O prédio onde foi montada a escola, inclusive, é uma parte preservada e reformada do presídio. No mesmo terreno existe o Parque da Juventude, um parque grande e arborizado, com muitas quadras para o lazer das pessoas que vivem ali perto. Um pedaço da muralha do presídio também foi preservado – uma testemunha duma história que não se pode (e nem se deve) esquecer.

Sentado no palco, que fica no piso térreo (um salão amplo e muito iluminado) junto à parede da esquerda (em relação à entrada principal da escola), eu podia ver o teto de vidro lá no alto. O edifício é um caixote onde os andares são como anéis que envolvem um vão enorme, entre teto e chão.

A escola estava tranqüila no horário de almoço. Eu e o Nego tínhamos acabado de escovar os dentes – depois de almoçar no Bom Prato, um restaurante popular que nos cobra R$1 – e estávamos jogando conversa fora.

- Me fala – perguntei – em que posição você ficou no processo seletivo?

- Em sexto! – ele disse, disfarçando seu orgulho.

Nós estudávamos Regência Coral e Orquestral. Éramos colegas de sala, e nos conhecemos durante o curso havia pouco mais de três meses, apenas. Nossa amizade, porém, se desenvolveu e se aprofundou de forma muito rápida.

- Caraca! Desculpa aí, metidão!!

- Nada a ver! E você?

- Eu passei em décimo terceiro!

- Ah! Você também ficou bem colocado! – ele estava sendo gentil.

- É né? Na verdade, eu fiquei surpreso só pelo fato de ter passado!

- Nossa, por quê?

- A, sei lá...eu já tinha tentado tantas vezes, nunca tinha conseguido. Eu já tava pensando que não tinha mais jeito. Se eu não entrasse dessa vez, ia desistir da música...

- Êita...

- Sério! Depois que eu vi o meu nome na lista de aprovados, voltei pra casa chorando que nem um bezerro desmamado, no metrô! Eu ainda acho que só passei na prova porque apresentei uma música minha...

- Você é compositor?

- Mais ou menos, eu tento. Ei – mudei de assunto – eu decidi. Vou viajar pra Europa nesse final de ano. Lembra que a gente tinha conversado sobre isso, que meu irmão queria me dar a viagem de presente?

- Sim. E a Ná?

- Ela não vai...

- Por quê?

- Bom, o motivo “oficial” é o fato dos pais dela estarem voltando do Japão depois de quase cinco anos, e por isso ela quer passar o final de ano com eles. O outro motivo, você já sabe...

- A, mas eu acho que vai ser bom para vocês, esse tempo. Vocês vão poder pensar um pouco na vida, acertar o rumo das coisas...

- É, você tem razão.

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