quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

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São Paulo, Brasil, 30 de outubro de 2001.

Eu não consigo acordar de bom humor. Coisa esquisita essa. Quando acabo de acordar, enquanto meu velho carro a álcool não esquenta (meu cérebro), eu não sou a pessoa que costumo ser – tolerante. Nessas primeiras horas do meu dia (não importa que horas eu acorde, ou quantas horas eu durma) eu sou como um fio desencapado soltando faíscas. Não foi diferente naquele aniversário de 2001. Menos mal que naquela época eu ficava sozinho em casa, pelas manhãs.

Levantei descabelado, com a cara inchada, cheio de remelas e com um bafo de dragão – e quem não acorda assim, tirando os casais dos filmes românticos de Hollywood?

Lentamente eu tomei um banho, me vesti, almocei (sim, eu acordei bem tarde), separei o material a utilizar naquele dia (nessa época eu ainda era um aluno exemplar) e saí de casa, rumo à escola. Só quando eu já estava dentro do ônibus meu humor começou a mudar. Comecei a ficar ansioso:

“O que será que ela vai me dar hoje? Será que ela vai me dar alguma coisa hoje? A, não é possível, alguma coisa ela vai me dar, com certeza!” - pensei. “Ela” era a “Pianista”, minha primeira namorada.

Cheguei ao colégio em cima da hora, às 13h em ponto. Eu cursava o ensino médio no período vespertino (até às 18h) e fazia um curso técnico-profissionalizante de mecânica de precisão à noite.

A Pianista era minha colega de sala no curso noturno, então eu ainda teria longas horas pela frente até comemorar meu aniversário com ela – e descobrir qual seria o meu presente. Não é nenhum exagero dizer que estou na Argentina hoje por conta daquele presente.

- Hey Robson, feliz aniversário cara!

- Valeu Leitoa!

- Feliz aniversário!

- Valeu Gordo.

O Gordo e o Leitoa (sim, o Leitoa era um garoto) eram os meus melhores amigos do primeiro ano do ensino médio. A gente sempre fazia uma espécie de pic-nic na hora do recreio, sentados no “estádio” (apelido carinhoso que dei pro ginásio da escola) assistindo o pessoal jogando bola.

- Ta bonitão hoje hein? – disse o Leitoa.

- É né? Hoje é meu primeiro aniversário comprometido, tenho que fazer bonito.

- Pô, nunca pensei que você fosse namorar sério cara.

- Ué, por quê?

- A, sei lá, só esse ano você já pegou umas quatro aqui na escola...

- Hahahahaha! Pega nada! Tô namorando, mas num tô morto.

- Hahahahaha!

Mesmo jogando conversa fora com os dois o tempo todo – inclusive durante as aulas – o dia demorou a passar. Eu já estava ficando eufórico: “esse vai ser o melhor aniversário da minha vida!” – pensei.

Quando finalmente tocou o sinal da saída, eu saí quase correndo da sala. Desci as escadas do prédio como um foguete e fui um dos primeiros a chegar à rua. Agora eu teria uma caminhada de longos vinte minutos até chegar à outra escola. Como sempre fazia, comprei uma bolacha recheada no meio do caminho e fui comendo.

Cheguei à escola e fui direto pro refeitório, onde o pessoal da sala se reunia antes de começar as aulas. Nesse curso a faixa etária era completamente diferente, repleta de adultos. Eu era o caçulinha da turma, junto com a Pianista.

- Parabéns Cabeção! – eu tinha muitos apelidos na escola.

- Valeu!

- Parabéns Bobby! – outro apelido.

- Valeu cara!

Ela ainda não tinha chegado, pois ainda faltavam quarenta minutos pra começar a aula. Sentei-me com o pessoal e fiquei esperando, ansioso.

- E aí Cabeça, vai ganhar presentinho hoje?

- Hahahahaha! Se liga! – notei algo malicioso na pergunta.

- Ó, depois cê conta tudo pra gente hein?

Homem não presta. Alguns homens juntos, menos ainda. Muitos homens juntos, então, é caso de polícia! Na verdade, nossa sala tinha apenas duas moças – um lugar pouco provável para arrumar uma namorada.

- Contar o que? Se liga mano, o negócio né fácil assim não. Faz só um mês que a gente ta namorando sério e tals...

De repente a mesa ficou muda.

- Vamos mudar de assunto que o assunto chegou!

Senti uma mão no meu ombro e me virei. Ela me deu um beijo e me disse, ao pé do ouvido:

- Vamos lá fora...

Ela então cumprimentou os presentes enquanto eu me levantava e, juntos, nós saímos do refeitório. Sentamos num banco perto das quadras, onde eu lhe dei um beijo. E outro. E mais outro. Ela tentava falar algo, mas antes de terminar a frase eu lhe roubava um beijo.

- Deixa de ser bobo...

- Adoro quando você me chama de bobo...

A noite estava linda. O céu estava limpo, pontilhado de estrelas. Soprava uma brisa muito agradável. Ela estava linda. Seu cabelo curto e encaracolado estava fixo com umas presilinhas do tipo “tic-tac” e seu rosto estava levemente maquiado (ela tinha uma norma de conduta: não se maquiava para ir àquele curso cheio de homens, mas naquele dia fez uma exceção). O que mais chamava a atenção, porém, – e como sempre – era seu sorriso. O sorriso mais lindo que eu já vi – sem sombra de dúvidas!

- Eu tenho um presente pra você...

- Outro?

- Como assim, outro?

- Você é meu presente...

- A, bobo! Eu to falando sério!

- Eu também! Esse é o melhor aniversário da minha vida!

- Obrigada... – disse e me beijou em seguida.

- Eu que agradeço.

Ela tirou um embrulho da bolsa e me entregou.

- Eu não sabia o que te dar, então comprei isso. Acho que você vai gostar...

O objeto era retangular, largo porém fino. Desembrulhei com muito cuidado – aquela embalagem certamente fora feita por ela mesma, com muito carinho. Não pude conter o sorriso.

- Esse livro – ela disse – conta a história do Che Guevara quando, ainda jovem, fez a sua primeira viagem pela América do Sul, junto com um amigo em cima de uma moto...

- Muito obrigado, de verdade! Eu adorei!

Passei minha mão direita por todo o rosto dela, com carinho, como se tocar cada curva de sua face pudesse me ajudar a jamais esquecê-la. Funcionou.

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