sábado, 18 de dezembro de 2010

014

Buenos Aires, Argentina, 21 de novembro de 2010.

Abro os olhos e a primeira coisa que vejo é o teto. Nosso quarto é pequeno, tem no máximo 3m por 2m; ao menos o pé direito é bem alto – característica das construções antigas, no estilo europeu, de Buenos Aires.
Saio do quarto em direção ao banheiro. Passo pelo pequeno hall de entrada do apartamento, onde à minha frente está a porta de saída, atrás de mim a porta do meu quarto, ao meu lado direito as portas dos quartos da Yasmin e do Leandro (que o divide com o Filipe) e à minha esquerda, lado a lado, a porta da sala e o corredor que leva ao banheiro, à cozinha e ao quarto das irmãs Tacila e Tamiris.
O apartamento é, talvez, tão antigo quanto Buenos Aires. Penso assim porque está situado na Avenida Rivadavia, uma avenida muito importante onde corre, por baixo, a linha A de metrô (Subte). Essa é a linha mais antiga de Buenos Aires e, por conseqüência, a mais antiga da América do Sul, pois a Argentina foi pioneira na construção de metrô nessa região. Ainda hoje estão em circulação os trens da época da inauguração dessa linha.
Os móveis do apartamento também são antigos, assim como o piso de madeira, as portas, as janelas, os lustres. Tudo isso me encanta de maneira indescritível. Me faz imaginar quando e como viveram pessoas aqui, antes de mim, e sinto que nossa história se enlaça de alguma forma – é como se pudesse sentir a energia dessas pessoas latejando pelas paredes da casa.
No banheiro, lavo o rosto, escovo os dentes e ajeito o cabelo. Ouço as vozes da Yasmin e do Pablo (namorado da Yasmin) vindo da cozinha e, como tenho vontade de “gastar”meu castellano, rapidamente volto ao meu quarto para guardar as coisas de toalete e vou à cozinha.
- Buenos días, Pablo!
- Buenos días!
Eu puxo assunto com o Pablo. Ele e Yasmin estão cozinhando juntos. Ele é cozinheiro, estudou gastronomia e, como a Yasmin sempre fala muito dele, não me falta assunto para começar a conversa. Tenho que fazer muito esforço para falar castellano (e ele para me entender), mas conseguimos manter uma conversação decente.
- Escucha Pablo, a Yasmin me me falou que você cozinha muito bem!
- Ah, não é verdade...
Ele é humilde.
Seguimos conversando sobre comida. Lhe pergunto o que está cozinhando, e ele me responde que está fazendo umas “tortillas”. A mim, se parecem como aquelas esfihas de restaurante árabe, mas as tortillas são feitas de massa folhada, acho. Descontraído, falo para ele fazer um par de tortillas a mais para eu experimentar. Lhe pergunto de que são recheadas e ele me diz que são tortillas de presunto e queijo.
- Demônios, não posso comer!
- Y por quê?
- Eu sou vegetariano!
- Em sério? Bom, não tem problema. Você pode comer dessas que estão recheadas com queijo.
Eu dei sorte. A verdade é que estou com água na boca, pois as tortillas têm um aspecto maravilhoso e as que estão assando cheiram muito bem. A Yasmin, por sua vez, está fazendo um bolo de milho com queijo, que também parece bom.
Por algum motivo, o assunto toma um rumo diferente. Eu pergunto ao Pablo o que fazer para conseguir uma namorada argentina – esse é meu plano para aprender o castellano. O Pablo é muito legal, e gosta de falar. Ele começa a me dar uma série de lições:
1 – As moças argentinas são muito difíceis. Elas nunca vão demonstrar que querem alguma coisa com você, por mais que queiram MUITAS coisas com você.
2 – Você nunca deve demonstrar que está afim de uma moça argentina. Se você disser algo, elas vão te desprezar; mas, se não disser nada, elas se sentirão desprezadas e farão alguma coisa para chamar tua atenção.
3 – Quando estiver paquerando uma moça argentina, não seja muito direto. Fale o que tem que falar por meio de brincadeiras, por entrelinhas. Assim ficará uma espécie de dúvida no ar, o que vai instigá-las ainda mais.
4 - Se quiser chamar atenção de uma moça argentina na rua, num bar, enfim, em qualquer lugar, esteja com uma moça bonita ao seu lado. As mulheres argentinas são muito competitivas nesse sentido e, se te virem com uma mulher bonita, tentarão chamar a tua atenção para “vencer a rival”.
5 – Consiga um cachorrinho, filhote de preferência. Elas adoram os cachorros por aqui.
Falando assim, o Pablo me parece muito experimentado com as mulheres. Falo pra ele que esse comportamento também funciona com as brasileiras e que imagino que as mulheres são iguais em todas as partes do mundo. Damos risada. A eterna guerra entre os sexos é um assunto muito divertido!
As tortillas ficam prontas e todos começamos a comer. Até o Nego, que apareceu do nada como um passe de mágica, come com a gente. De fato estão muito boas as tortillas.
Mais uma troca de assunto sem explicação e começamos a falar de política. Pergunto a Pablo se ele ficou triste com a morte do Kirchner. Ele me fala que não, que não gostava do Kirchner e tampouco do Perón (sob protestos da Yasmin, peronista convicta).
Fico surpreso com as palavras e com a forma que o Pablo fala dos argentinos. Geralmente, os argentinos são nacionalistas ao extremo (como a Yasmin) mas o Pablo não. Ele tece críticas muito coerentes a respeito da situação de país e de seu povo.
Ele se incomoda com o espírito egoísta dos argentinos – sobretudo dos porteños (nativos de Buenos Aires). Ele diz que, aqui, as pessoas sempre tentam tirar vantagem umas das outras, sempre querem ser mais espertas umas que as outras. Enquanto ele fala eu penso que, talvez, as pessoas sejam assim no mundo todo, e por isso estamos como estamos.
Falo para o Pablo que estou surpreso com a maneira de pensar dele; que pensava que todos os argentinos eram super nacionalistas. Falo que as coisas que lia sobre a Argentina, no Brasil, me faziam crer que todos os argentinos amavam a Kirchner e sua esposa Christina.
Ele me diz que não gosta dessa coisa de nacionalismo. Eu lhe falo que não gosto de nada que termine com “ismo” e que, para mim, tudo isso soa como fanatismo, o que não é bom. Ele concorda. Fanatismo nunca é bom. Fanatismo segrega muito mais do que une.
Gosto da nossa conversa. Uma coisa é ler sobre um país e outra, completamente diferente, é falar com os nativos e sentir quais são as suas impressões sobre seu lugar de origem. Por isso mesmo eu sempre me pergunto até que ponto podemos acreditar nos jornais, nos livros, na História...

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