sábado, 4 de dezembro de 2010

011

Buenos Aires, Argentina, 19 de novembro de 2010.

- ...na aula, por exemplo, eu não tenho problemas com os exercícios, mas na hora de cantar o repertório eu travo completamente.

- Olha, cantar é uma coisa complicada mesmo, no começo. Mexe muito com nossa estima, pois é algo que nos expões muito... – falo.

A Yasmin está nos contando sobre suas experiências nas aulas de canto. Ela diz que adora cantar, mas ainda se sente muito insegura para fazê-lo na frente de outras pessoas.

- Uma coisa que a gente poderia fazer – sigo com meus conselhos – é comprar algumas cervejas e beber durante o ensaio, para que você fique um pouco mais desinibida.

- Eu não, nós três! Não vou beber sozinha!

- Claro que não – concordo – nós três vamos beber e cantar! E quando você quer fazer isso?

- Pode ser hoje mesmo, um pouco mais tarde!

- Tem certeza? Você não tem que trabalhar amanhã?

- Sim, mas não vou beber até cair...

- Perfeito! Quando você quiser, nos avise, assim vamos comprar a cerveja juntos!

Algumas horas depois, à noite, ela nos chama (eu e o Nego) e vamos ao mercado que fica em frente ao edifício onde moramos.

- O que vocês querem? – ela pergunta.

- A, sei lá, não conheço muitas cervejas argentinas... – respondo.

- Olha, a gente pode pegar qualquer uma menos Quilmes!

- Essa é a única que eu já bebi. E que tal aquele vinho barato, que vendem em caixinha, do qual você e o Leandro falavam hoje de manhã?

- Nem pensar! Está louco? Esse vinho é terrível! Se querem beber vinho, vamos comprar um decente!

- Pode ser. O que você prefere?

- Pra mim pode ser vinho.

- E você, Nego?

- Vocês quem sabem...

- Jóia, então vamos comprar vinho! O que você sugere, Yasmin?

- Do que vocês gostam, seco ou suave?

- Eu gosto de vinho suave – diz o Nego.

- Então vamos levar dois, porque eu gosto de vinho seco – diz a Yasmin.

Ela seleciona dois vinhos, um seco e outro suave. Ela conhece muitos vinhos, pois seu namorado estudou gastronomia e sempre lhe ensina algumas coisas sobre isso.

Voltamos ao apartamento, onde, na cozinha, sentamos à mesa para beber o vinho e jogar conversa fora. Eu bebo pouco, a Yasmin um pouco mais que eu, e o Nego não bebe nada. Depois de vinte minutos, vamos à sala (onde está o teclado do Nego) para ensaiar algumas músicas.

Tanto eu como a Yasmin estamos um pouco “alegres” e começamos a cantar – a Yasmin mais que eu, pois a noite é para que ela perca um pouco da vergonha. Ela se empolga com o ensaio e, quando o vinho seco acaba, ela vai ao mercado e compra outro.

Agora já estamos – eu e ela – bem “alegrinhos”, cantando todo tipo de música que o Nego se arrisca a tocar no teclado. Já estamos cantando e falando alto, o que chama a atenção de todas as pessoas do apartamento. Primeiro aparece o Leandro. Em um momento ele vira as costas para mim e fala qualquer coisa com o Nego. Sem pensar duas vezes (na verdade, nem uma vez), eu lhe dou uma mordida na região da omoplata esquerda e começo a rir sozinho do meu feito, enquanto ele me olha incrédulo e o Nego tenta explicar:

- Ele já ta bêbado...

De fato, eu estou. Por volta de uma hora depois a segunda garrafa de vinho seco acaba e a Yasmin vai dormir. Eu estou só começando. Vou à cozinha, pego o vinho suave do Nego e começo a beber no gargalo, carregando a garrafa por onde vou.

Na sala, o Diogo está com meu violão. Enquanto ele toca, o Leandro canta. O Nego está no teclado. A Keyla e a Tacila também estão presentes. Eu me empolgo, começo a cantar fazendo a garrafa de microfone.

- Isso é sacanagem – falo, alto e enrolado – a garrafa não pode ser meu microfone, pois quando a ponho perto da boca acabo tomando um gole, hahahaha.

Eu já perdi a noção, estou falando besteira e fazendo a diversão do pessoal. O Nego está preocupado, pois estou andando com a garrafa e, em alguns momentos, ela bate em algum móvel, ou mesmo na parede, devido ao meu caminhar irregular – típico de quem está alcoolizado.

Fico com vontade de andar de elevador e saio do apartamento. O Nego e a Tamiris (que a essa altura se junta a nós para se divertir um pouco) vão atrás de mim, preocupados, mas eu os “tranqüilizo” dizendo que só vou “dar uma volta de elevador”. Estou descendo ao térreo e, de repente, minhas pernas se cansam e me deixo cair no chão do elevador. Quando chego ao térreo o Nego prontamente chama o elevador para que eu não tenha tempo de sair (esse é um daqueles elevadores antigos, cuja abertura das portas é manual). De volta ao terceiro andar – onde fica nosso apartamento – o Nego e a Tamiris me levantam e me colocam dentro do apartamento.

Me junto ao pessoal, na sala. Sento numa das poltronas e, por algum motivo, começo a falar pro Nego:

- ...meu, você não devia cuidar de mim cara! Você tinha que me odiar, isso sim!

- Ué, por quê? – ele perguntou.

- Por que sim, é óbvio! Porra, meus antepassados foderam com os teus cara! Tiraram vocês do seu lugar, te escravizaram e o caralho...

Começo a chorar desconsoladamente.

- I, nada a ver. Isso passou... – ele tenta me reconfortar.

- É nada. Eu num valho nada porra. Na verdade, não era nem pra eu estar nesse lugar agora. Esse não é o meu lugar!

- Como assim, por que não?

- Porra, esse continente é dos índios. Veja, eu não sou negro nem índio. Provavelmente sou um descendente dos europeus que vieram pra cá, foderam com os índios e lhes roubaram a terra...eu não valho nada. Nas minhas veias corre sangue de bandido, ladrão, assassino...

As lágrimas lavam meu rosto. Percebendo que o clima está meio tenso, o Nego muda de assunto.

- Ó, nada a ver. Isso passou, agora a gente tem que fazer diferente. Tó, toma esse remédio que a Keyla deu, pra você não ficar de ressaca manhã.

- Não vou tomar nada não!

Ele põe o remédio na minha boca e eu tiro.

- Não quero remédio!

- Por quê?

- Sei lá, num quero e pronto!

A Tacila faz uma tentativa. Ela abre minha boca e bota o remédio lá dentro. Eu o tiro em seguida. Olho pro Nego, paro, penso e depois falo, fazendo aquele sinal com a mão onde o polegar e o indicador formam uma bolinha e os outros três dedos ficam levantados (que significa que algo nos agrada):

- Ó, tua mãe hein? Muito legal, a tua mãe! Gente boa! Ó, vou dar um rolê na rua!

Me levanto e saio do apartamento. O Nego me acompanha. Em vez de descer pelo elevador, vou correndo pelas escadas, correndo o risco de cair e me quebrar todo. O Nego vem no meu encalço. É uma péssima noite pro Nego.

Na rua continuo dando trabalho. Puxo assunto com as pessoas, pergunto onde posso comprar mais álcool (o vinho suave do Nego já acabou), mas na Argentina não se pode vendê-lo depois das 22h – talvez em casas noturnas. Puxo assunto com um policial e o Nego me puxa antes que o soldado possa entender meu castellano enrolado.

De volta ao apartamento, noto que todas as pessoas foram dormir. O Nego me põe para vomitar no banheiro e depois me coloca para dormir também. Essa foi uma longa noite.

2 comentários:

  1. jajajajajajajajajaj muito engracado parabens!!!! sua capacidade e realmente incrivel. jajajajajaj

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  2. vc é um loko mano ñ pode beber...
    vou descontar a mordida..tô gostando do blog e sigo lendo...
    léo...

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