sábado, 15 de janeiro de 2011

031

Buenos Aires, Argentina, 18 de dezembro de 2010

Meu celular apita quatro vezes num ritmo sincopado, avisando que acaba de chegar uma mensagem de texto. Pego o telefone e leio a mensagem enviada pelo Leo: “hey, minha amiga Eve nos convidou para uma festa que ela vai fazer por estar completando a graduação, vocês querem vir?”

A gente já havia combinado sair à noite, mas iríamos para San Miguel – a cidade onde moram os tios do Leo. Essa mudança, porém, não me incomoda. Consulto o Nego e como sua resposta é positiva, eu mando uma mensagem ao Leo dizendo que sim, que temos vontade de ir à festa da Eve.

Tomo um banho, visto uma roupa decente – a única que veio em nossa bagagem “mochileiro” – calço um sapato do nego – que me aperta um pouco, mas como disse o Gui (a terceira colcheia jazz da Tercina), quando a gente se veste não existe cômodo ou incômodo, e sim “classe” ou falta dela – e espero o Leo chegar para sairmos.

***

Olhando de fora não se parece nada com uma casa noturna. O lugar fica próximo ao Obelisco, região central da cidade e, como não poderia deixar de ser, está num prédio bem antigo.

Chegamos e encontramos uns amigos do Leo do lado de fora – eles estão esperando a Eve para entrar sem pagar nada. Nós fazemos o mesmo. A noite nem está tão fria, mas assim mesmo o Nego começa a esfregar os braços.

- Hey, pára com isso – falo – não se lembra do que disse o Gui? Classe Nego, tenha classe!

Passa um tempo e alguém recebe uma mensagem da Eve, dizendo que vai se atrasar um pouco, mas que a gente pode entrar sem problemas, porque nosso nome está na lista de convidados.

Entramos – não sem antes passar por uma revista, claro.

O lugar é igual a qualquer danceteria no mundo – creio. Essa tem dois ambientes, onde em cada um deles há um enorme salão, um bar, uma sala técnica para o DJ e muitas luzes coloridas e saltitantes. Andamos um pouco e decidimos ficar no ambiente de cima, onde toca música eletrônica e cumbia, um ritmo muito popular entre os porteños (nativos de Buenos Aires).

Eu não me sinto nada a vontade nesse lugar. Nunca fui de sair à noite e tampouco de sair pra dançar. Dificilmente as pessoas acreditam que sou uma pessoa um tanto introvertida, mas essa é a verdade – pelo menos até que me sinta à vontade com o ambiente e/ou com as pessoas, ou a menos que eu esteja brincando.

O Leo e o Nego começam a dançar e não me resta alternativa, tenho que dançar também. Com muita vergonha começo a me arriscar, mexer os pés dando um passinho para cada lado. Me sinto ridículo. Nesse momento noto que alguém não me acha tão ridículo assim.

- Ê negão hein? Já tem mulé olhando pra você! – fala o Nego, quase gritando, para se fazer ouvir em meio a música alta.

- Pra mim?

- Ë, aquela ali ó, perto da escada, falando com uma amiga.

Olho pra onde ele aponta – de maneira nada discreta – e vejo a moça. Ela é muito bonita.

- Ah, se liga! Como você sabe que era pra mim que ela tava olhando?

- Presta atenção, olha pra ela depois que você vai ver. Ela não tira os olhos daqui.

Essa conversa me fez perder o foco na dança e, quando noto, já estou mexendo os ombros. Esse detalhe não passou despercebido para o Nego, que fala pro Leo e os dois começam a tirar sarro da minha cara. Não sei que moral eles têm pra fazer isso, pois o Nego pensa que está numa roda de samba e o Leo, bem, me parece que o Leo está com dor de barriga – segundo ele, está imitando a maneira argentina de dançar a cumbia.

Arrisco uma olhada em direção à moça, que não está mais no mesmo lugar. Fico aliviado por um breve instante, quando noto que ela e a amiga estão mais perto da gente e sim, ela está olhando pra mim.

- Ehê negão, olha onde ela já tá – me cutuca o Nego.

- Só me faltava essa...

- Ela é bonita mesmo hein?

Eu me afasto, vou pro outro lado, mais longe da moça. Não quero dar muita chance pra ela puxar assunto – se é que ela pensa em puxar assunto. Melhor evitar contato.

A gente segue dançando, pulando, fazendo trenzinho. Os amigos do Leo estão cada vez mais “alegres” e, ao notar a maneira como dançam, me sinto cada vez menos ridículo com minha “dança de ombros”.

- Iaí, não vai falar com a moça não? – tenho a impressão que o Nego tá se divertindo às minhas custas.

- Tá louco? Tô fugindo da fulana como o diabo foge da cruz! Você esqueceu que eu tenho namorada?

- Não, é que tá engraçado isso. Nunca pensei que fosse ver você fugindo de mulé, hahaha.

Mudo de lado outra vez, evitando até mesmo os olhares que não param de vir em minha direção.

Em meio a tudo isso, eu não paro de pensar na Táta: “Seria tão bom que ela estivesse aqui comigo. É uma pena que ela tenha voltado pro Brasil. Por um lado eu fico muito feliz que ela esteja com sua família, matando saudades dos amigos e de tudo que ela deixou pra trás nesses meses que viveu em Buenos Aires, mas por outro eu fico triste por estar longe dela...”

O Leo sumiu de repente e, quando me dou conta, o Nego não está mais do meu lado. Para minha surpresa ele está dançando com uma moça. Me sinto um tanto desprotegido, assim, sozinho, e resolvo sentar num canto do salão, quase escondido. Fico ali observando o Nego dançando com a moça, e pensando na Táta.

“Nesse momento ela tá na festa de casamento da prima. Deve estar linda! Capaz que esteja se matando de dançar, se divertindo bastante! Mal posso esperar pra falar com ela e saber como foi!”

O Leo aparece do nada e pergunta:

- Hey, não vai mais dançar?

- Agora não – respondo – estou com medo dessa moça aí, hehe.

- Por que você não dança com ela?

- Porque não, tá doido?

- Não entendo...

- Lembra daquele lance do treinamento de não comer carne? É a mesma coisa!

- Hum...o seu treinamento com a carne eu posso entender, mas com mulher? É só uma dança!

- Não, não é só uma dança...

***

São oito horas da manhã e nós acabamos de chegar em casa. Estamos muito cansados, mas assim mesmo vamos à cozinha porque a fome é maior. Eu passo um café e preparo uns pães com margarina – impossível tomar café aqui e não lembrar da Táta.

- Caramba Nego, tá apaixonado mesmo hein? – fala o Nego.

- Oxi, por quê?

- Nem foi pra cima daquela moça. E ela era gata hein?

- Eu tô apaixonado sim, mas não foi nem por isso. Seria hipocrisia dizer que não achei a moça bonita e que não ficaria com ela. De fato eu já traí algumas ex-namoradas mesmo estando apaixonado por elas. Não me orgulho nada disso e aprendi a lição. Eu tenho um compromisso com a Táta, não seria certo me render a um desejo momentâneo e estragar isso que pode ser uma relação muito linda...

- Ó, você ta de parabéns hein? Se te conheço bem, mulé é teu ponto fraco, e você resistiu. Tá apaixonado!

2 comentários:

  1. AHHHHHHHHHHHHHHH QUE lindo !!! Tão feliz por vc NEGO !!! eu adorei a menção da minha frase, use sempre que quiser...Saudade master de vcs...se cuidem por aí...

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  2. Eh isso ae: honestidade para vc mesmo em primeiro lugar, para os outros... oras... para os outras a honestidade flui naturalmente.
    beijos
    MarceloPai
    PS: E uma transa anonima, nunca se comparara a uma transa bem tecida.

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