sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

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Colonia del Sacramento, Uruguai, 02 de janeiro de 2011

São quase cinco horas da madrugada. Como não reservamos nenhum lugar para ficar, estamos esperando um pouco no terminal onde desembarcamos. O terminal se parece com um saguão de aeroporto, mas é infinitamente menor. O Leo e o Nego estão dormindo e eu estou de vigília.

Difícil não pensar na vida com todo esse silêncio e eu, definitivamente, tenho muito o que pensar – sobretudo a respeito desse namoro com a Táta. Não sobre o relacionamento propriamente, mas sobre as conseqüências que essa união pode ter em nossas vidas agora.

Quando eu saí de casa, tinha dezoito anos e minha ex-esposa dezessete. Naquela época, meu namoro com a Ná não era visto com bons olhos e hoje eu entendo o porque. A moça estudava, trabalhava, tinha uma vida relativamente encaminhada até me conhecer. Com o início de nosso relacionamento ela deixou muitas coisas de lado (e eu também) e isso nos causou muito sofrimento.

E agora, com a Táta, tenho medo que a história se repita.

***

Nós estamos caminhando à beira de uma avenida próxima ao terminal, baixo sol ardente, há cinco minutos. As mochilas ainda não estão tão pesadas, mas se continuarmos assim por muito tempo, certamente vão ganhar sobrepeso gradativamente. Não sabemos “exatamente” para onde vamos. Estamos seguindo umas placas que indicam a presença de um camping por perto.

Caminhamos mais dez minutos e chegamos num shopping. Entramos. O Leo procura uma casa de cambio para trocar seus pesos argentinos por pesos uruguaios, e eu procuro um caixa automático para sacar algum dinheiro.

Encontro o caixa, mas não consigo sacar nada. Percebo que estou um tanto estressado – certamente pelo cansaço, pela fome e pela noite sem dormir. O Nego fala alguma coisa e eu começo a discutir com ele – não consigo controlar meu mau humor.

O Leo chega com seus pesos uruguaios e vamos ao supermercado do shopping comprar algo para comer. O choque é grande ao ver os preços nas prateleiras: um refrigerante que custa por volta de quatro pesos argentinos em Buenos Aires, aqui custa quase sessenta pesos uruguaios. Claro que a segunda é uma moeda desvalorizada em relação a primeira, mas mesmo assim a diferença assusta.

Como não temos muito dinheiro, compramos quatro panetones que estão em promoção (dois pelo preço de um) e dois sucos em pó. Saímos do supermercado, vamos para a praça de alimentação e começamos a comer nosso panetone.

***

Estamos novamente na beira da avenida procurando o camping. Decidimos pedir informação e descobrimos que passamos, andamos demais, e agora temos que voltar. Eu estou muito estressado. O Leo e o Nego sugerem pedirmos carona, mas eu discordo. Tenho minhas razões – o que não tenho é motivo para ser tão grosso com eles, como estou sendo agora. Tenho os meus limites e, quando os atinjo, não consigo pensar e me controlar. Melhor mesmo é tentar ficar calado.

Seguimos caminhando e finalmente encontramos o camping. Entramos, pedimos informação e, como o pagamento deve ser feito adiantado, não ficamos. Decidimos caminhar até o centro histórico da cidade – o local turístico – e procurar outro caixa automático onde eu possa sacar o dinheiro necessário.

***

Colonia del Sacramento é uma cidade histórica, fundada na margem uruguaia do Rio de La Plata, que divide Argentina e Uruguai. Durante muito tempo foi disputada por portugueses e espanhóis e, claro, os segundos sagraram-se vencedores. A cidade, porém, ainda carrega influências portuguesas.

Caminhar pelo centro histórico de Colonia é quase como uma viagem no tempo. Há muitas casas e edifícios antigos, e muitas ruas ainda são de paralelepípedos. Mesmo que o estilo colonial esteja misturado à vida moderna, a sensação de viver um pouco do passado desse lugar é maravilhosa.

Depois de conhecer o porto de iates – e de molhar os pés no rio observando a beleza do dia, do lugar e da própria vida – nós andamos a esmo pela cidade sem saber ao certo o que fazer. Estou um pouco menos estressado, mas sigo preocupado com o fato de não haver conseguido sacar dinheiro. Justo quando estou pensando nisso, passamos em frente a um caixa automático.

- Weeeeeeeeeeeee – saio do banco eufórico, saltitante – consegui! Consegui!!

- Sério? Sacou dinheiro? – pergunta o Nego com brilho nos olhos.

- Não – falo, agora totalmente desconsolado.

- Peraí , conseguiu ou não? – pergunta o Nego, preocupado.

- Siiiiiiiiiiiiiiim!!! – respondo, saltitante outra vez.

- Fala sério! Cadê?

Entrego a nota de mil pesos uruguaios para ele. Agora estamos, os três, tranqüilos. O Leo toma a nota em suas mãos para conhecer e depois tira uma foto minha com a “prova da existência divina”.

Sentamos numa praça para descansar um pouco – ainda estamos carregando as duas mochilas e os dois violões para todo lado.

- É, parece que já vimos tudo o que há para ver aqui em Colonia – fala o Leo.

- É, parece que sim...O que você acha? Vamos a Montevideo? – pergunto.

- Mmmm, acho que sim! Seria muito legal! – ele responde.

- O que você acha, Emerson?

- Legal!

- Acho que a gente podia tentar ir de carona, não? – pergunto.

Os dois topam encarar a aventura na mesma hora.

***

De volta ao shopping, decidimos comprar mais panetones – mesmo podendo sacar dinheiro, temos que economizar – e mais suco em pó para comermos antes de seguir viagem.

Vou ao mercado e, ao passar pela confeitaria, não penso duas vezes. Compro um bolo de aniversário para o Nego, que completou 26 anos ontem. Eu teria comprado ontem mesmo, mas por algum motivo a cidade de Buenos Aires não tinha nenhum caixa eletrônico funcionando – pelo menos nenhum que eu conheça – na semana entre natal e ano novo, e por isso estávamos os dois sem dinheiro.

- Espera, Leo, deixa eu fazer primeiro depois a gente conta pra ele – diz o Nego assim que voltei para a praça de alimentação do shopping com os panetones, os sucos e o bolo.

Ele vai até a mesa ao lado e pega uns bifes à milanesa e umas batatas fritas que alguém não quis comer e traz para a nossa mesa. Fico estupefato. Assim mesmo – e para minha própria surpresa – penso antes de começar a falar porcarias.

A verdade é que eu quero passar por isso.

- Che, isso não me incomoda! – falo, pegando os bifes e tirando a casca de farinha e ovo – Eu como a casquinha e as batatas e vocês comem a carne!

Essa é uma das melhores refeições da minha vida – mais que o corpo, está alimentando a minha alma. Não posso explicar, mas dividir essa sobra com eles me faz feliz. Estou conhecendo a humildade. Meus limites. Meus medos. Melhor que isso: os estou enfrentado um por um. O Nego, sem saber, me deu uma lição que vou levar para a vida: orgulho não enche barriga – e barriga não dói uma vez só.

Depois do “almoço”, comemos o bolo. O Nego, ao cortar o primeiro pedaço, faz um pedido que certamente vai se realizar. Assim é a vida: basta desejar, com afinco, e ficar atento para receber dela o que queremos. Claro, mesmo desejando e mesmo estando disponível o que queremos, devemos estender nosso braço e pegar – ficar parado nunca resolveu e nunca vai resolver nada.

Um comentário:

  1. Muito legal, você esta crescidinho corvão rsrs mais maduro na vida ki eu shaushau

    abraço

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