sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

027

Buenos Aires, Argentina, 13 de dezembro de 2010

A noite está muito agradável e a Plaza de Mayo está apinhada de gente. Nós mal avistamos a Casa Rosada ao longe e começa a grande queima de fogos. Eles estão comemorando alguma coisa; esse, provavelmente é um evento do governo, porque do contrário não haveria esse clima de festa. É muito comum haver manifestações políticas contra o governo em frente à sua sede, ou enfrente ao Congresso, que fica próximo daqui.

Muito se fala que o brasileiro faz festa por tudo, tem feriado pra tudo e por isso não trabalha, não leva o país pra frente. Eu arrisco dizer que o argentino faz o mesmo, mas em vez de festejar, fica fazendo manifestações contra ou a favor de alguma coisa. E não é raro que tais manifestações aconteçam numa sexta-feira.

- Che, o que está acontecendo? – pergunto ao Leo.

- Sei lá – ele responde.

Nós acompanhamos a queima de fogos até o final e, para nossa surpresa, as pessoas começam a deixar o local com o fim da queima.

- Acho que a gente chegou no fim da festa – digo.

- Eu também! – ele concorda.

Ele rapidamente retoma o assunto de que falávamos quando chegamos no local:

- Então, como vai chamar a banda?

- Ixi, não sei. Você tem algo em mente?

- Eu gosto do nome “Orexis”.

- Orexis? O que significa?

- Bueno, é algo como “Desejo”.

- Dale! Pra mim tá bom. E pra você, Emerson?

- Bom...

O Leo pega seu celular, olha a data e fala:

- Bueno, então em 13 de dezembro nós fundamos oficialmente nossa banda, chamada Orexis!

- Dale! – digo!

- Dale! – diz o Nego.

Seguimos o fluxo e saímos da Plaza de Mayo, pela Avenida de Mayo. Como não há mais Subte (como é chamado o metrô aqui) essa hora, nós voltamos para casa caminhando e jogando conversa fora.

- Olha Leo, que mina feia! Olha que bunda grande! – digo, de maneira nada discreta.

- Robson, você não pode falar assim, tão alto. As garotas podem escutar você! E depois, você está falando castellano, elas podem te entender! – o Leo me chama atenção para minha falta de discrição pela enésima vez.

- Dale, desculpa Leo. Mas olha, ela é muito feia...

- Che, não fala feia! Essa palavra é muito ofensiva!

- Dale, dale!

- Bueno, e como se fala "tracero" em português?

- Se pode falar traseiro, mas a gente usa mais a palavra bunda!

- Bunnnnnda? – repete o Leo, para memorizar.

- Sim, bunda!

- Dale! A gente podia falar dessas coisas em português já que você não consegue se conter e falar baixo...

- Sim, acho que sim...

- Eu também acho – fala o Nego, que mesmo me acompanhando há pouco mais de um ano, ainda não se acostumou com essa minha falta de discrição ao falar dos outros, na rua.

Seguimos pela avenida, que agora mudou de nome e se tornou Avenida Rivadavia. Sopra uma brisa muito agradável, e se pode sentir aquele cheiro típico que denuncia uma chuva vindoura.

Chegamos em frente ao nosso prédio e eu convido o Leo para subir. No apartamento, silencioso por estarem todos dormindo, começamos a conversar de coisas um pouco mais “sérias”.

- Bueno, e por que você é vegetariano? – me pergunta o Leo.

- Eu estou fazendo uma espécie de "treinamento"..."treinamento" tá certo?

- "Entrenamento".

- Dale, valeu! Bom, eu estou fazendo uma espécie de "entrenamento" para controlar meus desejos. Eu tenho muita vontade de fazer trabalhos "filantrópicos"..."filantrópicos", tá certo?

- Sim, tá certo.

Essa é a dinâmica dos nossos diálogos. Eu vou arriscando e quando tenho alguma dúvida, pergunto ao Leo se determinada palavra existe, ou se estou conjugando certo algum verbo. Ele costuma me corrigir mesmo quando eu não pergunto. O Leo tem nos ensinado muito, lhe sou grato por isso.

- Dale! Então, é por isso. É como um treinamento para que eu possa domar os meus desejos e não me tornar corrupto. Isso é algo que me preocupa desde que notei que mesmo as pessoas boas se corrompem diante do poder...

- Dale che, é uma coisa boa isso que você está fazendo!

O Leo ainda não nos falou abertamente sobre seus planos, mas eu posso sentir que ele tem desejos parecidos com os meus – desejos de fazer alguma coisa pelas pessoas, de tornar o mundo um lugar melhor.

- Eu também tenho vontade de fazer uma viagem pegando carona... - falo.

- Espera, o que é "carona"? - ele pergunta.

- É quando a gente faz uma viagem de carro ou caminhão sem pagar nada.

- Ah, dale. Aqui a gente chama isso de “viajar dando dedo” – ele fala fazendo o gesto característico, com polegar empinado, de quem pede carona.

- Bueno, eu tenho vontade de viajar sem dinheiro, só para viver algumas dificuldades e me tornar uma pessoa melhor, dar mais valor pras coisas e tals...

- Eu também tenho vontade de fazer esse tipo de coisa. Mas me fala, por que tantos treinamentos assim?

- Eu sempre quis entender porque nosso mundo tem tanta injustiça, tanta pobreza. Eu acreditava que a solução era uma revolução para fazer comunismo, mas um primo me mostrou uns livros como “A Revolução dos Bichos” e "1984", os dois de George Orwell, e outro chamado “Cisnes Selvagens” que falam, basicamente, das coisas más do comunismo e por isso percebi que não é a forma de governo, e sim nossa forma de ser que devemos mudar...

Nenhum comentário:

Postar um comentário