sexta-feira, 18 de março de 2011

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Montevidéu, Uruguai, 18 de janeiro de 2011

- Nego, posso te pedir uma coisa? – puxa assunto o Nego.

- Fala...

Eu estou deitado na cama – isso é tudo o que eu tenho feito nos últimos dias. Não tenho vontade de fazer nada. Sequer tenho observado a vida passando ante meus olhos. Não fosse o fraco sinal de internet sem fio que a gente pega de algum lugar na vizinhança, e que me permite algum contato com o mundo, minha atividade se reduziria a dormir. Com o Nego não é diferente

- Faz tanto tempo que a gente só tá comendo pão... Será que você podia fazer um macarrão hoje?

No dia em que a gente chegou nesse quarto, ficamos agradecidos por ter um teto. O lugar estava uma imundície: cheio de pó, de lixo, de insetos. Até preservativo usado a gente encontrou. As paredes “pintadas” com cal já tinham perdido há muito qualquer coloração que não o cinza da sujeira. Uma foto do Gandhi encontrada no armário capenga, porém, me deu a força necessária pra aceitar esse “estado transitório”. Mas agora, nesse momento, minha energia inexiste – foi totalmente sugada pela pobreza do lugar. Com o Nego não é diferente.

- Tem certeza que você quer encarar aquela cozinha? – pergunto.

- Sim... Eu não agüento mais comer pão...

- Ta bom, eu vou tomar banho e depois vou ao mercado comprar molho e tempero...

Eu levanto, pego minhas coisas e vou para o banheiro. A fraca iluminação do cômodo, somada aos azulejos e pisos velhos, gastos e quebrados do lugar, me transporta àquele banheiro do filme “Jogos Mortais” – tenso.

Com muito cuidado para não encostar em nenhum lugar desnecessário, eu tiro minha roupa e a penduro na maçaneta da porta. Dou uma olhada no espelho, e não sei o que é pior: as manchas e rachaduras do objeto, ou minha cara de completo desânimo. A área do chuveiro está completamente alagada, o que demonstra que alguém tomou banho e o ralo entupido não deu vazão à água suja. Ligo o chuveiro e entro debaixo d’água tentando não pisar naquela meleca feita de cabelo e micose.

“Que saudade do apartamento onde morava em Buenos Aires” – penso.

Termino o banho o mais rápido possível, me seco, me visto e vou pro quarto guardar as coisas. Pego o dinheiro, as chaves e vou pro mercadinho.

O dia está ensolarado, e a rua quase sem movimento. Parece que meu desânimo tomou conta da cidade. Caminho umas três quadras e entro no primeiro lugar que encontro.

Talvez sejam meus olhos, mas eu duvido. O mercado também tem um ambiente triste. As prateleiras se amontoam umas sobre as outras, dividindo um espaço muito reduzido. A iluminação quase inexistente não consegue esconder a sujeira do lugar, e os produtos... Bem... Está difícil escolher uma cebola que seja, no mínimo, comestível.

Depois de muito tempo selecionando, compro uma cebola, uma cabeça de alho, um suco em pó, um óleo, um sal e um molho de tomate – tudo do mais barato, pois é o que o dinheiro permite.

“Essa Montevidéu ta bem diferente daquela que conhecemos com o Leo, alguns dias atrás...” – penso, enquanto caminho de volta pra pensão.

- Você me ajuda lá na cozinha, pra ir mais rápido? – pergunto pro Nego, ao chegar no quarto.

- Sim! Você vai cozinhar agora?

- Vou...

Pegamos as compras, o macarrão que trouxemos de Buenos Aires (presente do Leo) e descemos até a cozinha. Quando chegamos no cômodo, eu preciso fazer muito esforço pra seguir com o propósito de cozinhar.

A cozinha é pequena. Os azulejos gastos e rachados - como de todos os outros cômodos – estão completamente engordurados. Pego uma panela igualmente engordurada e muito nojenta e passo para o Nego dar uma lavada. Coloco água na panela virtualmente limpa, óleo e sal, e deixo ferver – num fogão também muito sujo e engordurado, além de bambo.

Enquanto isso, com uma faca cega e sem dentes eu corto (ou tento) a cebola e o alho.

- Me dá outra panela aí – falo pro Nego.

Ele, ao mexer no escorredor de louças para pegar o objeto, descobre que o lugar também serve de moradia para baratas. Nojento.

- Mano, puta merda! Isso é muito tosco! Tipo, a gente chegou agora e vai sair daqui a pouco, mas imagina esse povo que passa uma vida num lugar desses...

Triste.

Refogo o molho, boto o macarrão – já cozido à essa altura – e espero mais um pouco, com o fogo baixo, para que o molho fique um pouco mais consistente.

Terminamos e subimos pro quarto.

Comemos.

Depois da refeição, desabafo:

- Meu...não dá mais pra ficar aqui...

Um comentário:

  1. Até eu senti a revolta e a tristeza por está nesse lugar!Muito bom...só fiquei confusa com quem começou a conversa...

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