sexta-feira, 4 de março de 2011

046

Em algum ponto entre Belo Horizonte, Minas Gerais, e São Paulo capital, Brasil.

Voltar é sempre mais demorado que ir. Apesar de não ser a primeira vez que eu viajava pra casa dos parentes em Minas Gerais, eu ainda não estava acostumado com toda aquela distância, e todas aquelas horas dentro do carro em movimento.

Sentado no banco traseiro do Santana, com minha mãe e meu irmão ao lado, minha tia Mercês guiando e meu primo KK no passageiro, eu estava completamente entediado. Naquela época eu não tinha Ipod, Smartphone, netbook nem tampouco um “walkman” daqueles antigos, de fita, pra me distrair. Também não conseguia dormir para passar o tempo.

Eu gostaria de haver ficado um pouco mais em Cipotânea – cidadezinha onde nasceu minha mãe – , na fazenda da minha tia Célia. Naquela época eu já apreciava a calmaria do campo. Ademais, guardo com carinho algumas histórias daquele lugar – umas que me lembro e por isso posso atestar pessoalmente a veracidade, e outras que, para mim, não passam de boatos exagerados...

Eu me lembro de uma vez que estava sentado no muro da varanda da casa – uma casa enorme, ou que parecia enorme quando eu era pequeno. Estava ali, pensando na vida, olhando as vacas presas no curral e curtindo aquele cheiro adocicado de esterco, quando um mugido me acordou de meus devaneios e me atirou – com a força do susto – nas roseiras abaixo. Faltam dedos nos pés e nas mãos para contar todos os espinhos que minha mãe tirou de meus braços e pernas.

Lembro de uma vez que estávamos brincando de colocar bolinhas de gude dentro de um cano e acompanhar seu trajeto até o chiqueiro. Nesse dia, eu vi minha tia matando uma galinha para a janta, e fiquei um tanto perturbado com a quantidade de sangue que saiu da bichinha. Não sei se era a mesma galinha, ou a mesma janta, mas lembro de uma refeição na qual fiquei revoltado com uma “injustiça”: meu primo KK comeu três coxas de frango e eu, uma. Coisa de criança.

Dizem as más línguas que, por essa época, eu comia titica de galinha (talvez isso explique as titicas que tenho na cabeça!). Dizem que eu comia espuma do meu travesseiro curtido na minha urina. Comia cinzas de cigarro direto do cinzeiro – hábito que perdi quando minha amável avó colocou pimenta no cinzeiro. Essas coisas aí, eu contesto. Não me lembro de nada disso.

Minha mãe conta, com muito carinho, a história de um dia que meu irmão simulou a gravação de um “Globo Rural” no milharal da fazenda.

Meus primos, sobretudo os mais velhos como o Jr. ou a Juliana, falam sempre de determinado vídeo gravado, onde a criançada jogava beisebol com laranja podre e o primo Zé Renato é flagrado roubando bombons. Dessas coisas também não lembro, mas nessas eu acredito – porque me convém, óbvio!

Há uma história que ainda é censurada, mas certamente os envolvidos sabem do que estou falando. Claro que não posso divulga-la, então esse parágrafo é só para constar que ainda me lembro dela, tintim por tintim!

Lembro de um dia que o povo saiu para pescar e, na última hora, eu fiquei pra trás porque queimei minha perna no escapamento da moto do meu primo Zé Renato. Fiquei em casa brincando com um daqueles caminhõezinhos cuja caçamba é repleta de bois e cavalos. Tenho também uma vaga lembrança de alguém – talvez o meu pai – me levando de cavalinho para algum lugar.

Tia Mercês, um dia, teve que “ir ao banheiro” no meio do mato. Nós não tínhamos papel higiênico mas, por sorte, o porta luvas do carro estava cheio de notas fiscais – penso que as notas tiveram um destino mais nobre naquele dia. Acho que foi nesse mesmo dia que eu conheci um tio da minha mãe, que falava um mineirês fluente e super rápido, do qual eu não entendia nem as vírgulas e pontos, se é que havia vírgulas e pontos. O que marcou foi engenhosidade desse tio: distribuiu a água do café em 4 panelas para ferver mais rápido: GENIAL!

Meu tio Raimundo, sem noção como só ele, me ensinou – sem saber – uma coisa muito bacana: mijar pela janela. Sabe-se lá porque ele fez isso, talvez o banheiro estivesse ocupado. Gostei da idéia, e repeti o feito uma vez – do alto do segundo andar do prédio onde morava. Meu irmão levou a bronca por isso, da vizinha que morava embaixo. Sorte dele que ela pensou que aquilo que molhou seu apartamento era cuspe.

Uma vez, não sei por que diabos, meus primos junto com meu irmão simularam um concerto de rock – acho que imitavam os Guns n` Roses. O Má e o KK ficaram enciumados porque a prima Elisa e eu gritávamos só o nome do Jr.

Da Elisa também lembro algumas boas histórias! Lembro de um dia que ela ficou “masturbando” um boi com uma longa vara de bambu – história essa que a mesma adora lembrar.

Pior foi o dia em que eu, o Má e o KK tentávamos de todos os modos descascar uma cana-de-açúcar com uma faca enorme, sem nenhum êxito. A Elisa chegou, tirou a cana da nossa mão e a descascou no dente. Só faltou coçar o saco e cuspir no chão!

Não que ela fosse assim, tão masculina. Na verdade, eu a achava muito bonita. Dizem as más línguas que a gente teve um romancezinho em nossa infância. Disso eu adoraria me lembrar, mas não lembro – será que me convém não lembrar disso?

Mesmo com tantas lembranças boas, fato era que eu estava no ali, no carro, entediado – não cabia a mim a decisão de ficar um pouco mais na fazenda. Foi então que aconteceu: sem nenhum aviso, eu vomitei sobre mim mesmo.

Minha tia encostou o carro, minha mãe pegou uma muda de roupa no porta-malas e mandou-me trocar de roupa ali mesmo. Naquela época eu não usava cueca – e ninguém sabia disso – então fiquei completamente nu na estrada.

Aquilo não foi difícil pra mim, mesmo com todas as brincadeiras que fizeram – sobretudo meu irmão. Difícil foi, sempre, desnudar minha personalidade, dizer o que e como penso. Meus desejos. Medos. Minha imaturidade. Reconhecer aquilo em que sou bom sem medo de parecer arrogante. Mostrar que não sou perfeito. Mais difícil era desnudar minha personalidade para mim mesmo, não para as outras pessoas.

Acredito que, como acontecia comigo – e ainda acontece, creio – a maioria das pessoas não se desnuda para si próprio. Talvez seja medo de notar que não somos nem metade do que pensamos ser. Há uma piada muito comum entre os brasileiros que vivem na Argentina: “compre um argentino pelo que ele vale, e o venda pelo que ele ACHA que vale”. Eu diria que essa piada serve pra maioria das pessoas que conheço, argentinos ou não. Ainda nos falta muito que aprender sobre nós mesmos.

O lance está e sempre esteve dentro, e não fora, na figura de um amigo, inimigo, familiar, cônjuge ou mesmo Deus. Por isso não vive bem quem depende da atenção alheia. Descobri que tudo o que eu quero, tudo o que eu preciso, está dentro de mim – o que é bom, pois eu sou a única pessoa que estarei sempre comigo.

A vida toda eu fui presa de “paixões arrebatadoras”. Na verdade, a vida toda eu mendiguei atenção alheia. Muita coisa mudou quando eu me dei conta disso. Passei a controlar meu impulso de pedir atenção, de querer conversar sempre com minhas “paixões” – que hoje não creio serem paixões verdadeiras.

Essas pseudo-paixões fazem mal nos dois casos, quando são correspondias e quando não são. No primeiro caso, o casal vive uma mentira. No segundo, o apaixonado não se dá conta do quanto ele é inconveniente com a outra pessoa, que não tem obrigação nenhuma de corresponder tal paixão – tampouco de dar atenção o tempo todo para uma pessoa que não passa de um simples amigo.

A melhor coisa que eu fiz foi começar a me distrair, mudar o foco mental, para controlar aqueles impulsos, que hoje não me vêm mais. Fazendo isso, passei a me conhecer e me apaixonei por mim mesmo. Apaixonado por mim, passei a querer meu bem, a querer viver bem, e assim comecei a vislumbrar o que é a verdadeira felicidade.

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