segunda-feira, 14 de março de 2011

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Montevidéu, Uruguai, 11 de janeiro de 2011

Perdido na imensidão daqueles olhos azuis, eu falo pra Anni:

- Eu pensava que você era uruguaia! Você fala o espanhol quase sem sotaque!

Esse é o tipo de coisa que me encanta: o espanhol não é minha língua materna, e nem a dela. Não fosse nosso conhecimento nessa língua, nossa comunicação seria quase nula, mas graças a esse idioma, podemos trocar experiências maravilhosas...

- Que nada, você que fala bem... Mas o povo daqui tem cara de europeu mesmo, dá pra confundir. Também, aquele fulano...o...eu não lembro o nome dele, mas ele aparece na nota de 100 pesos argentinos, Sarmiento, acho. Ele matou todo negro e índio que encontrou pela frente...

- Nossa! Eu não sabia disso! Vou pesquisar sobre depois... Mas isso é foda né? O Hitler matou gente pra caralho e hoje é quase uma heresia tocar no nome dele. Já esse outro que matou tanto quanto, ganhou status de herói...

Nós estamos sentados num banco na Plaza Independencia, uma das mais importantes de Montevidéu. Aqui estão os restos mortais do General José Artigas, guardados num mausoléu feito em sua homenagem, localizado no subsolo abaixo de uma estátua sua que mantém sua imagem visível a todos os governantes do país que adentram a Casa de Governo, esta localizada a poucos metros da praça. O General José Artigas é uma figura muito importante na história uruguaia.

Venta bastante, o que deixa a noite muito mais agradável. Esse, porém, é o único detalhe em que posso prestar atenção. Não sei se o céu está nublado ou estrelado, não sei em que fase está a lua, não sei se há algum movimento ao nosso redor. Só consigo prestar atenção no par de olhos azuis que tentam – e conseguem – hipnotizar-me.

- Qual é o maior sonho da tua vida? - pergunto.

- Meu maior sonho é aprender a amar as pessoas de maneira incondicional – ela responde sem precisar pensar muito.

A Anni é alemã. Ela vive no Uruguai há poucos meses, e já viveu na Argentina também. Quando lhe perguntei o que fazia aqui na América do Sul, quando podia viver na Europa, sua resposta me pegou de surpresa: “o povo na Europa vive meio alienado. Eles não sabem muito bem o que se passa no mundo. Eles não têm muita noção da pobreza em que o povo vive em alguns lugares. Quando eu me dei conta disso, simplesmente não podia seguir levando uma vida daquelas...”.

De fato, eu tive uma impressão muito parecida com essa, quando passei aquele tempo em Londres, no meio do ano passado. Na Europa, tudo é quase perfeito, parece um conto de fadas. Quase perfeito a ponto de entorpecer as pessoas que vivem essa realidade, tirando-lhes a capacidade de enxergar além do próprio umbigo e ver a necessidade de tentar dividir todo esse conforto entre o mundo todo.

- Poxa, mas isso é muito fácil Anni! Basta você entender que todos nós merecemos compreensão e perdão. Quando você perdoa de verdade, você ama incondicionalmente. Qualquer um.

- Eu não consigo perdoar, por exemplo, uma pessoa que tortura outra pessoa. Uma pessoa torturada nunca mais vai levar uma vida normal...

- E nem a pessoa que tortura, né?

- Hum...é...

- Eu acho que torturador e torturado são vítimas do mesmo modo. Não acho que uma pessoa normal escolheria viver torturando outras pessoas, se tivesse plena consciência das profundas conseqüências desse ato – excluindo aqui, claro, pessoas que têm algum tipo de doença psicológica. Leon Uris, por exemplo, descreve no seu “Grito de Guerra”, o processo pelo qual passa um conscrito para que este se torne um soldado – uma máquina de guerra. O sujeito tem sua personalidade completamente destruída – seus valores, suas crenças, suas paixões – através do “treinamento militar”, onde recebe em troca a impressão de que a guerra é algo normal, onde vale tudo...

- É...acho que entendo o seu ponto de vista...

Ao dizer essas palavras, a Anni se aninha em meu peito. Com ela assim, entre meus braços, a vontade de conversar vai embora. Longe de seus olhos azuis por um instante, eu posso ver a noite. Não há estrelas nem lua, apenas nuvens tapando até mesmo o negrume da noite, dando ao céu uma coloração meio cinza, meio púrpura.

- Preciso te falar uma coisa... – ela puxa assunto novamente.

- Fala!

- Meu ex-namorado, aquele com quem eu morava junto na Argentina, tá aqui. Ele veio pra cá porque quer tentar de novo, comigo...

- Entendo...e você, o que acha disso?

- Eu não sei...

- Olha Anni, se você acha que deve tentar novamente com ele, pra mim não tem problema. Não estou dizendo, com isso, que não gosto de você. Pelo contrário. Gosto de você ao ponto de entender que talvez você seja mais feliz ao lado dele...

- Não sei... nós, eu e ele, já passamos por tantas coisas juntos sabe? Tantas dificuldades, e sempre estivemos unidos... Por outro lado, eu sinto que não amo ele com a mesma intensidade de antes... Não estaria tão encantada com você, se o amasse do mesmo jeito...

- Eu sei o que você está dizendo... sabe, eu já fui casado, sei como é difícil aceitar que algo tão bonito possa perder o brilho, chegar ao fim...

- É mais ou menos isso...

- Acho que você deve pensar. Levar em consideração todos os aspectos positivos e negativos de tentar de novo com ele.

- Eu vou fazer isso. Vou viajar nesse final de semana, pra Valizas. Lá vou poder ficar um pouco sozinha e pensar na vida com mais calma...

- Isso vai ser muito bom! Acho que, antes de mais nada, você deve pensar na tua felicidade. Não pense em mim, ou nele. Pense em você. Pode parecer que você vai agir de maneira egoísta, mas a verdade é que, se você agir pensando na felicidade de outra pessoa acima da tua, você não vai conseguir fazer essa pessoa realmente feliz – e priva-la da felicidade sim, seria um ato egoísta...

Ao terminar a última frase, eu fico cego: o sorriso que ela abre é tão intenso e luminoso que parece o próprio sol.

Um comentário:

  1. É Robson...
    Quando olhamos nos olhos de alguém - se soubermos enxergar- mergulhamos na alma dessa pessoa. Então estaremos realmente conhecendo-a independe de qualquer outra coisa...
    Como sempre seus textos 'sacodem' meu emocional e me fazem pensar...
    Você é um rapaz tão amadurecido e especial. Você traz em você um amor e compreensão gigantescos...quando você fala do perdão. Não conseguiria perdoar algo tão grave - eu acho-
    Acho que estou ficando repetitiva não é?
    Desculpa...

    Patty :)

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