quarta-feira, 23 de março de 2011

055

São Paulo, Brasil, 27 de março de 2000.

Saímos da sala de aula em fila indiana – isso era meio esquisito, afinal já estávamos na oitava série, mas essa era a única maneira de manter nossa turma sob controle.

Atravessamos o corredor do prédio principal da Escola Professor Almeida Júnior, passamos pelo pátio externo e chegamos na Sala de Leitura, onde a professora Noemi ( de português) nos entregou a também professora Irene (responsável pela Sala de Leitura).

Era parte do nosso programa de português ir à Sala de Leitura regularmente, onde escolhíamos qualquer coisa de nosso interesse para ler. Eu sempre pegava algo da seção de romances aventurosos infanto-juvenis. Naquele dia, porém, a atividade era outra:

- Pessoal, presta atenção aqui! – falou a professora Irene.

Rapidamente o fuzuê que o pessoal fazia, falando alto e pentelhando uns aos outros se extinguiu como a chama de uma vela que recebe uma lufada de ar. Essa era a única professora que tinha esse efeito na turma – e não era pela simpatia; na verdade, eu acho que ela deixava a simpatia em casa.

- Hoje vocês vão fazer uma redação. O tema é “o furo da minha mão”. Vocês têm que escrever uma história com esse assunto, e o título tem que ser igual ao que eu falei. Alguma dúvida?

Todos nós tínhamos muitas dúvidas, mas é óbvio que a professora nunca soube delas – quem se atreveria a perguntar alguma coisa?

- Essa atividade é para entregar, então vocês devem tirar uma folha do caderno e, por favor, não me entreguem nada com aqueles cabelinhos de papel pendurados na lateral da folha – vou tirar nota por isso! – finalizou a professora.

Como ordenado, tirei uma folha do meu caderno e escrevi o seguinte texto:

O furo da minha mão

O furo da minha mão é algo bem estranho, mas eu já me acostumei com ele. Ele, o furo, já está aí a bastante tempo, eu nem me lembro direito como ele surgiu. Foi um dia que eu acordei e fui lavar o rosto, como qualquer pessoa faz. O problema é que eu pegava a água com a mão e ela não chegava até o rosto. Aí eu fiquei “zoiando” e percebi ele lá, do tamanho de uma moeda. Fui correndo até minha mãe. A “véia” tomou um susto coitada, e eu achando graça em tudo, nos meus cinco anos de idade.

Mamãe e eu fomos ao médico, que não soube explicar o ocorrido.

O furo da minha mão tem vantagens e desvantagens. Com ele eu posso “bizoiá” onde o povo se esconde, quando estamos brincando. Mas não posso segurar moedas, porque cai tudo.

Mas o problema maior foi a escola. Sempre fui alvo de brincadeiras de mau gosto, mas, Aline, minha melhor amiga sempre me defendia. Aliás, já que tocamos no assunto, Aline sempre foi uma magricela chatinha, com os cabelos longos e os olhos de jabuticaba. Sempre eu acho que não é a palavra certa, quase sempre sim. Quase sempre porque hoje, não sei como aconteceu, mas ela ficou bonita. Acho que estou apaixonado. Aí você me pergunta: o que ela tem a ver com o furo da minha mão? Simples! Graças a ele conheci Aline.

Por isso, sou o “furado” mais feliz do mundo. Qualquer dia, se o furo ajudar, me declaro a ela, mas tem tempo, muito tempo.

Você pode não ter furo, mas com certeza tem o pé grande, a cabeça enorme, um narigão, etc. Mas se souber usá-lo, poderá ganhar muito, pois são esses “defeitos” que o tornam especial.

Bom, agora deixa eu ir porque o furo tá aqui me dizendo que a Aline vem aí. Fui!

Tirei os cabelinhos de papel da lateral da folha e entreguei o texto pra professora.

***

São Paulo, Brasil, abril de 2000.

- Robson, aqui está a tua redação – falou a professora Irene – meus parabéns! Seu texto está muito bom!

Meio sem jeito, tímido, peguei a redação e guardei na mochila.

***

- Filho, você tirou 10 na redação e não me falou nada? – disse minha mãe, que andara fuçando na minha vida escolar novamente, como sempre.

- Ah, mãe... – eu não via muitos motivos para alardear esse tipo de coisa.

- Parabéns, você escreve bem! Mas tem algumas coisas que pode melhorar, senta aqui pra eu te ensinar algumas coisas...

Um comentário:

  1. Comentario de Panssa: "O que vc fez com esse furo na puberdade hein?!?!"

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