quarta-feira, 2 de março de 2011

044

Buenos Aires, 7 de janeiro de 2011


Entro no apartamento e vou direto pro meu quarto. Pego meu netbook e cruzo o corredor até chegar na cozinha. Coloco o computador na mesa, ligo, e enquanto inicia o sistema operacional eu rego a Flora – esse é o nome da flor que a Táta deixou sob meus cuidados.

Paro um tempo apoiado no balcão e fico ali, com o coração na mão, lembrando das poucas noites que passamos na cozinha, a Táta e eu, conversando e namorando, tentando – em vão – fazer o tempo passar mais devagar. Apesar de tudo, de haver decidido terminar, eu ainda sinto muita falta dela.

Sento na frente do computador, entro no meu e-mail e fico ali parado. Não sei como começar. Minimizo a janela e abro os “meus documentos”. Começo a navegar nas minhas pastas de músicas, mas não há nada que eu queira ouvir. As músicas sempre marcam os momentos, e esse é sem dúvida alguma um momento que eu vou querer esquecer pra sempre.

Volto algumas páginas e entro nas “minhas imagens”. Começo a olhar algumas fotos que tiramos: fotos do dia em que fomos juntos comprar meu “cajón” (instrumento de percussão de origem peruana), dia em que fiquei muito contente ao notar com que desenvoltura ela interagiu com meus amigos, ao invés de se isolar e amarrar a cara, como me aconteceu tantas vezes antes; fotos do dia maravilhoso que passamos no Museu Fragata Sarmiento, e até mesmo as fotos que tiramos no aeroporto, quando ela se foi.

Impossível segurar as lágrimas.

Volto pra tela do navegador, abro uma nova aba e leio meu horóscopo, esperando “ouvir” dele alguma boa notícia, algo que me faça desistir de fazer o que estou prestes a fazer. Nada. Estou só.

Minimizo a janela outra vez e fico olhando pro ícone do mensageiro instantâneo. “Talvez fosse mais honesto, ou menos pior, falar com ela por aí. Não sei. Ela não vai entender nada, vai querer argumentar, e não há argumento. Eu já tomei a decisão. Egoísta? Talvez.” - penso.

Me levanto e vou ao banheiro. Ao lavar as mãos, evito meu olhar que insiste em me encarar do espelho, com os olhos marejados e aquela expressão de súplica, pedindo mais uma chance. Eu não posso dar-me mais uma chance. Não depois de tudo, de tomar a decisão que eu tomei.

Volto pra cozinha mas não sento no computador. Coloco água pra ferver, pego o suporte de filtro da Táta e um dos filtros de papel que ela me deu, monto em cima de uma xícara – a primeira xícara na qual ela me serviu café e a qual eu adotei como minha xícara “oficial” depois de então e espero. Água fervida, passo o café – que ela deixou aqui antes de viajar – adoço e levo minha xícara pra mesa.

Abro outra vez a tela do navegador, do e-mail, e começo a escrever:


táta

chegou o momento que eu mais temia, mas que assim mesmo sempre soube que chegaria: o momento de terminarmos nossa relação. eu quis acreditar que poderia namorar com você, mas esse tempo longe de você me fez pensar e colocar a cabeça no lugar.

a verdade é que nós estamos em momentos diferentes de nossa vida: você tem planos lindos, quer estudar, ser médica, fazer pós-graduação e eu respeito isso. respeito tanto que não quero ser um obstáculo. respeito, em parte, porque eu com 25 anos ainda sou incapaz de traçar um plano pra minha vida, e por isso ando pra cima e pra baixo sem rumo - eu tenho conciência que, antes de querer conhecer lugares, eu estou fugindo do mundo onde vivia para tentar me encontrar.

uma pessoa que não tem sequer um plano para a própria vida não serve pra você, principalmente nesse momento onde você precisa focar no teu sonho. eu não tenho nada pra te oferecer, e não posso seguir com essa relação sabendo disso. talvez eu esteja sendo muito rigoroso comigo mesmo, talvez eu esteja traumatizado por algumas coisas que passei, mas a verdade é que eu não gostaria de estar um bom tempo com você e depois ter q terminar por não ter nada a oferecer a uma médica pós-graduada - ou pior, que você não possa realizar isso por minha causa.

é muito dificil pra mim escrever tudo isso, porque o tempo que passei com você foi maravilhoso, e porque eu gosto muito de você - amo você. mas me vejo obrigado a passar por cima dos meus sentimentos agora para que não me arrependa no futuro, porque eu jamais me perdoaria se fosse uma distração que te impedisse de conquistar teu sonho.

falando de futuro, acho que começo a pensar um pouco nele agora. espero não perder contato com você. espero que a vida nos faça melhores e que, em algum tempo lá na frente, estejamos preparados - você firme no teu propósito e eu com um rumo na vida - para enfim podermos viver uma coisa linda sem nada que nos impeça de nos entregar por completo um ao outro.

eu vou me mudar para montevideo, porque não sou tão forte quanto gostaria e, se ficasse em buenos aires, certamente iria atrás de você.

eu espero que você entenda os meus motivos, e que não fique brava comigo. talvez você esteja tão triste agora quanto eu ao escrever esse email, mas será melhor assim. me desculpe, e obrigado por esse tempo maravlhoso que você me proporcionou.

robson

Leio e releio o e-mail diversas vezes. Tomo um gole do café – que já está gelado a essa altura – e clico no botão enviar.

Por ironia, o tempo pára.

Não há ruído.

Não há cor.

Não há corpo.

Não há cheiro.

O gosto amargo fica.

Não há vida.

Está feito.

2 comentários:

  1. Robson: Difícil comentar. É um momento tão seu que somente você sabe o que está sentindo e o porque das suas escolhas e decisões. Mas o texto/carta são lindos, emocionantes e transparentes. Retratam você.
    Não. Você não está perdido. Você é um rapaz de muita coragem e determinação. Que ousa e tenta encontrar o próprio caminho.Que arrisca e coloca o amor incondicional como seu guia.
    Só posso dizer: segue em frente. Você não está sozinho. E a vida lhe reserva momentos lindos e felizes. Acredite. Confie!

    Beijos
    Patty

    ResponderExcluir
  2. Robson apesar do pouco contato que tive com você, sempre leio seu blog e adoro suas histórias, pois me fazem refletir em varios pontos da minha vida, inclusive esta última que você escreveu, é quase a minha história com... e que apesar de eu ter amado muito ele acredito que a decisão que tomamos tenha sido a melhor pra nós dois, não foi fácil, porem foi o melhor naquela situação. Acho que sei o que você sente, mas tudo na vida passa e quem sabe um dia vocês voltam a se encontrar? Enfim...tudo de bom pra você!!!
    Bjss...evellyn

    ResponderExcluir