Montevidéu, Uruguai, 16 de janeiro de 2011
Eu saio da pensão e fico esperando a Anni sentado no degrau da porta. Nós combinamos passear pela orla da praia e, depois, procurar um lugar onde possamos sentar e tomar mate juntos. O dia, porém, não parece muito propício a isso: está nublado. Ao meu lado, o encarregado e o porteiro do turno da noite conversam qualquer coisa enquanto fumam.
Avisto a Anni no horizonte e, mesmo sem a certeza de ser ela mesma que se aproxima, me levanto e vou em sua direção.
- Oi! Como você está? Eu estava com saudades... – falo.
- Eu também! Estou bem, e você?
- Bem... Deixa eu levar essa bolsa pra você!
- A, não precisa! Está pesada...
- Sim, é o que parece, e por isso mesmo eu devo levá-la!
Com alguma relutância, a Anni me entrega a bolsa onde estão os aparatos para tomar mate: a garrafa térmica, a “bombilla” (o canudo) e a cumbucazinha – além da erva, é claro.
De mãos dadas caminhamos até a orla da praia, onde rapidamente nos sentamos de frente para o rio (ou mar, ainda não posso definir o que é o que, nesse ponto onde água doce e salgada se fundem imaginando ser o amor entre opostos algo possível – ou talvez sem pensar nessas besteiras, querendo apenas estar uma com a outra).
- Nossa, eu adoro essa vista, sabe? Essa vastidão de água que preenche todo o horizonte me dá uma calma, mas ao mesmo tempo uma ansiedade de lançar-me por aí...
- Eu também! É por isso que eu sou feliz aqui
Ouvindo a Anni, tenho a impressão que ela é uma alma errante, que anseia pela liberdade acima de tudo. Nunca a prisão da carne me pareceu tão difícil para uma pessoa como me parece pra ela. Por isso mesmo, não descarto a possibilidade de inventar nela a pessoa que sou – dificilmente a gente não age assim, estamos sempre moldando no outro o que somos.
- Me fala, como é Valizas?
- É uma cidade muito pequena, quase um povoado...
- Sério? O camping onde você ficou era muito longe da praia?
- Não, umas quatro quadras! Lá é muito pequeno, nada fica longe da praia...
- Entendo... E como é? Tem montanhas ao redor? Tem que descer uma serra para chegar no litoral?
- Não... É tudo muito plano. Sabe como é o caminho de Colonia del Sacramento até aqui? É igual...
- Hum...
Apesar de ter feito esse caminho umas três vezes, eu não sei dizer como ele é, exatamente, pois dormi na maior parte do tempo. Da parte que me lembro – aquele na qual andei um pouco de carona e caminhei uma eternidade na beira da estrada, dias antes, com o Nego e o Leo – eu posso dizer que, de fato, o caminho é plano.
- E como foi lá? O que você fez?
- Nada demais... Não há muito o que fazer da vida lá, além de entrar no mar e pensar na vida...
Silêncio.
Venta muito. Tanto que meus cabelos parecem querer me abandonar e seguir seu próprio rumo – e os da Anni também, ainda que de uma forma mais comportada. Seus olhos me parecem menos brilhantes hoje, talvez por estar o dia nublado, ou talvez o dia esteja nublado pela falta de brilho nos olhos dela.
Ela puxa o ar, como que tenta dizer alguma coisa, e desiste de falar – não pela primeira vez. Eu já sei o que está por vir, então decido ajuda-la a entrar no assunto, algo que lhe parece quase impossível:
- Você conseguiu pensar sobre aquilo?
- Sim. Eu me sentei numa pedra bem alta e fiquei ali, o dia todo, olhando para o mar e pensando...
- E conseguiu tomar alguma decisão?
- Sim....
- E? Qual foi?
Diferente do que eu poderia imaginar, não estou ansioso. Eu gosto da Anni, e não seria exagero dizer que, em outra época – tanto pra mim, como pra ela – isso poderia se tornar uma paixão, daquelas avassaladoras que a gente sempre espera viver, ainda que negue isso na maior parte do tempo.
Não estou ansioso, porque isso não é meu. Esse momento não é meu. É dela. Sei disso, e por isso me dôo, me ponho como não mais que uma mão a ajuda-la a seguir seu caminho, como quem ajuda alguém a atravessar a rua.
- Eu quero tentar de novo com ele. Quero reatar com meu ex-namorado.
A tristeza me visita nesse instante. Mesmo sabendo que tudo tem seu tempo, que tudo tem uma razão, eu me sinto triste. Rejeitado. Meu coração bate mais acelerado, o peito dói, a boca seca. Meu olhar não encontra o dela, foge – não o da carne, que segue estático olhando aqueles olhos azuis sem brilho, mas o da alma, que procura abrigo. Me pergunto se ela pode notar isso.
Esse instante, porém, é muito mais breve que um piscar de olhos. Eu mudo rapidamente o foco do meu sentimento (e aqui fico feliz de notar o resultado de tanto treinamento), afinal, não é meu momento, é o dela.
- Fico feliz por você, Anni. Não nego que fico triste por mim, mas fico muito mais feliz por você! Essa é uma decisão difícil, e você conseguiu toma-la...
- Desculpa...
- Você não deve me pedir desculpas! De verdade, fico contente que você ainda acredite no amor que sente por ele, e esteja disposta a tentar novamente!
Talvez seja impressão minha, mas eu quero acreditar que o brilho está voltando pr’aqueles olhos azuis novamente.
- Sabe, eu gostaria que ele pudesse ser um pouco como você...
- E certamente gostaria que eu pudesse ser um pouco como ele!
- Hum... Não sei em quê você poderia ser como ele...
- Mas certamente há muitas coisas – coisas essas que te fazem amá-lo!
A chuva que se anunciava começa a cair, tão forte e intensa como a importância daquele momento em nossas vidas.
- Nossa, essa chuva é igualzinha à chuva que cai no verão, em minha cidade natal! – digo. Faz muito tempo que eu não tomo um banho de chuva assim!
Nos levantamos e voltamos pra casa caminhando – não adiantaria correr, já estamos ensopados. Seguimos conversando sobre qualquer trivialidade a respeito de chuva e infância, até que chega o momento da despedida.
Eu tomo seu rosto molhado em minhas mãos. Olho dentro de seus olhos e digo, calado, tudo aquilo que as palavras não conseguem. Puxo seu corpo para junto do meu, e lhe dou o último beijo. Assim, sem adeus, vou embora sem olhar pra trás.
Pow primo quando eu seje grande quero ser como vc!!! y na outra encarnacao tambem. beijos.
ResponderExcluirIncrível sua capacidade de enxergar a individualidade do outro. Sensibilidade que encanta!
ResponderExcluirLaris