quinta-feira, 10 de março de 2011

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Montevidéu, Uruguai, 10 de janeiro de 2011

Coloco o cartão internacional da minha mãe no caixa automático, espero uns segundos e coloco a senha. Escolho a rede de bancos LINK, a opção de saque em pesos uruguaios e digito o valor. O dinheiro não vem – no lugar dele, uma mensagem dizendo que a transação não pôde ser realizada. Tento tudo outra vez, com o mesmo insucesso. Uma terceira vez, e nada.

- Nego, você tem certeza que a tua mãe depositou o dinheiro? – pergunto.

A gente viajou para o Uruguai quase sem dinheiro, confiando que o dinheiro depositado pela dona Helena, mãe do Nego, fosse estar disponível já naquele dia. Agora, porém, tudo indica que as coisas não correram como a gente esperava.

- Sim, eu tenho certeza! Ela sempre faz as coisas que promete!

- Não seria bom a gente tentar entrar em contato com ela pela internet, pra confirmar o dia que ela depositou, e tentar descobrir porque o dinheiro ainda não está disponível?

- Sim, também acho. Vamos ali na lan house.

O Terminal Rodoviário Trés Cruces estava do mesmo jeito que a gente o havia deixado poucos dias atrás, quando voltamos para Buenos Aires. Agora, porém, estando só o Nego e eu ali, com pretensões de viver em Montevidéu – e não apenas conhecer, como fizemos naquela viagem com o Leo – o clima era outro.

Nós entramos na lan house do terminal, pedimos uma máquina e conectamos o Skype do Nego. Não tem ninguém da família dele online. Ele então decide mandar um email pra Tati, sua irmã, pedindo pra ela entrar em contato com a dona Helena e perguntar pra ela sobre o depósito, e mandar a resposta pra gente.

- E agora, o que a gente faz? – pergunto ao Nego.

- A, vamos dar uma volta lá na Cidade Velha, procurar um lugar pra ficar. Depois a gente vê o email pra ler a resposta da Tati.

- Beleza. Mas eu acho que a gente deve deixar a bagagem aqui no guarda-volume do terminal, porque eu não tô afim de passar aperreio carregando todo esse peso de novo!

Depois de uma breve discussão sobre tempo e valor, a gente decide que o melhor é deixar as bagagens no terminal por um período de 24 horas. Vai que alguma coisa dá errado...

Guardamos a bagagem, saímos do terminal e pegamos um ônibus para Cidade Velha (bairro antigo de Montevidéu). Nós viemos para o Uruguai sem saber onde vamos ficar. Sem dinheiro. Sem nada na cabeça. O coração, porém, está cheio de fé em Deus e amor pela aventura, o que no fim das contas me parece a melhor forma de viajar, nesse momento. E de encontrar aquilo que estou buscando: a mim mesmo.

- Cara, dá pra acreditar nisso? - penso alto.

- No quê? – pergunta o Nego.

- A gente é maluco! Olha o que estamos fazendo!

- Pois é...

Caminhando entre os edifícios antigos, da era colonial, que deram início à cidade de Montevidéu, o sol irradia um calor quase insuportável. Olhando além, até onde a vista alcança, pode-se notar aquela distorção espectral causada pelo ar quente que sobe do asfalto das ruas estreitas.

- Será que a gente vai achar um aluguel tão baratinho, como aquele de Buenos Aires? – pergunta o Nego.

- Sei lá...a Anni disse que o aluguel por aqui é mais caro... – Anni é a moça bonita, dos olhos azuis, que conhecemos no mesmo hostel onde conhecemos a Flori.

- E a Anni? Será que a gente encontra ela por aqui?

- Pode até ser, ela me falou que mora num hostel aqui na Cidade Velha...

Caminhamos mais um tempo, jogando conversa fora, quando avistamos a primeira placa oferecendo quartos para alugar. Entramos. Conversamos e saímos. Nesse lugar eles não alugam por mês. Andamos um pouco mais e achamos outro lugar, muito caro. Na terceira tentativa, encontramos algo que podemos pagar.

Ao entrar na pensão, a primeira impressão é de que o lugar é uma zona. O prédio é antigo – como não poderia deixar de ser. O hall de entrada tem um pé direito muito, mas MUITO alto. O teto é feito de qualquer material transparente que, sujo, proporciona uma iluminação fraca, quase lúgubre. O lugar está todo bagunçado, com móveis e aparatos eletrônicos – que certamente não funcionam – empilhados para todo lado. As paredes cor de musgo não veem uma pintura há muito tempo.

- Olha Nego, tem até um piano ali no meio das muambas! Vai lá tocar um pouco!

- Hehehe – sorriso amarelo – gracinha!

O encarregado da pensão nos leva para ver o quarto disponível. Subimos um lance de escadas e, no primeiro andar, ele nos mostra um quarto simples, porém arrumado. Pergunto o preço, e descarto. Muito caro pro nosso bolso. De maneira estranha, quase insegura, ele comenta de outro quarto que tem pra alugar. Diz que esse quarto ainda está ocupado, mas que o rapaz vai sair nesse mesmo dia. Peço pra ver o quarto.

Subimos outro lance de escadas, e mais outro. Isso é um paradoxo: teoricamente, quanto mais a gente sobe, mais perto do Céu fica. Nesse caso, cada degrau me dá a sensação de que o INFERNO está mais próximo. O local vai mostrando que nada é tão feio e mal cuidado a ponto de não poder ficar mais feio e mal cuidado. O verde musgo das paredes vai perdendo espaço para o negrume da sujeira. No chão, o piso irregular tem uma cerâmica tão gasta que, em alguns pontos, já ganhou uma coloração vermelho-barro.

Os quartos estão todos com as portas abertas (talvez pela falta de janela somada à necessidade de ventilação), onde um lençol estendido nos impede de olhar o que se passa dentro dos cômodos. Vozes de pessoas e de televisores podem ser ouvidas, o que denuncia que de fato existe gente capaz de viver num local como esse.

No meio da subida, algo totalmente inesperado: uma luz no fim do túnel. O último lance de escadas nos levou para a laje do edifício. Ali, no meio de escombros que inexplicavelmente tomam conta do cenário, o encarregado nos aponta uma pequena construção, comparável a uma edícula, e diz que aquele é o quarto mais barato.

Sem nenhuma palavra, meu olhar cruza com o do Nego. Eu sei que ele aprova o local, assim como eu. Certeza que na cabeça dele ta passando algo como “é o que tem pra hoje”, misturado com “se ta na chuva, é pra se molhar”.

Peço pra ver o quarto por dentro, o que não é possível, pois ainda tem uma pessoa morando lá. Assim mesmo, digo ao encarregado que possivelmente vamos alugar o quarto, mas que precisamos sacar o dinheiro para poder fechar negócio.

Saímos da pensão sem muito o que fazer da vida – até conseguir sacar o dinheiro, não podemos resolver nada. Vamos caminhando pelas ruas da Cidade Velha, jogando conversa fora, quando o Nego diz:

- Nego, olha a Anni ali.

- A ta, acredito! – falo.

- Sério, olha lá!

Quando olho pro outro lado da rua, a moça bonita dos olhos azuis está com um sorriso enorme, olhando pra mim. Quem pode explicar um encontro como esse?

Um comentário:

  1. Olá Robson!
    A vida é inexplicável.Não é preciso entender a razão, apenas saber que ela existe.
    Os encontros são inexplicáveis, mas maravilhosos e quando percebemos isso é porque estamos no caminho certo.
    Sabe a maior bagagem que vocês estão trazendo dessa viagem? Dessas aventuras e buscas? Uma grande experiência de vida. Um grande amadurecimento. E tudo é válido quando seguimos o coração ou a intuição.
    Adoro os seus textos! Sinto-me parte deles!
    Parabéns!

    Beijos
    Patty

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