quinta-feira, 3 de março de 2011

045

Buenos Aires, Argentina, 09 de janeiro de 2011.

Quando a gente conheceu a Floriana em Montevidéu, o Leo ficou encantado. Nossos dias no Uruguai eram divididos entres nossas caminhadas pela cidade, e nossas madrugadas no hostel, quando ele ficava conversando com ela. Digo ele porque, no momento que o Leo manifestou interesse na moça, eu tirei meu time de campo.

Agora estamos aqui sentados na mesa de um restaurante, e eu deliberadamente me sentei no lugar mais distante da Flori. Tenho me comportado assim, colocando distância entre mim e ela, sendo curto e quase grosso, sem dar muito papo. Geralmente eu sou uma pessoa cativante, mas essa é a última pessoa do mundo que eu gostaria de cativar nesse momento. Ainda que seja linda. Mulher de amigo meu, pra mim, é homem. Ainda que seja linda.

-Che, vamos nos sentar lá fora? – pergunta o Leo.

- Pode ser... – responde a Flori.

Saímos e vamos para o lado de fora do restaurante. Como movimentos articulados num tabuleiro de xadrez, a gente vai se sentando na mesa. Eu tento. Não consigo. Xeque. Flori senta exatamente do meu lado. “Merda!” - penso.

Essa não é a primeira vez que saímos todos juntos, o Leo, a Flori, o Nego e eu. Só o Nego sabe como tenho me esforçado pra ficar longe da moça, deixar o caminho livre pro Leo. Não, só eu sei o quanto tenho me esforçado.

Cada vez mais dissimulado, eu fico com o olhar perdido, contemplando a noite agradável e as luzes que iluminam a bonita Praça do Congresso. Impossível não me lembrar do dia em que conhecemos o Leo nesta praça, quando Nego e eu tocávamos violão e cantávamos, e ele nos abordou para conversar um pouco.

- Você não fala muito né? – me pergunta a Flori.

- Com psicólogos? Não. – respondo, sem nenhum esforço para ser simpático.

Flori é estudante de psicologia. Em fevereiro vai fazer os últimos exames para se formar – ou não, depende do quanto vai estudar pra isso. Não gosto muito de psicólogos. Não gosto de pensar que em poucos minutos eles podem “traçar meu perfil” e me “julgar e sentenciar sem direito a defesa”. Tudo bem, isso é meio neurótico.

- Dale, não estou aqui como psicóloga, estou aqui como uma amiga que também precisa conversar, só isso.

Xeque-mate. A moça conseguiu desarmar minha defesa, começo a conversar como “gente normal”. Malditos psicólogos!

- Por que você decidiu ser psicóloga? – pergunto.

- Porque eu quero ajudar as pessoas. Gosto de ajudar as pessoas! – ela responde.

- Nossa, que legal! Mas por que escolheu a psicologia pra isso?

- Eu sempre fui “meio psicóloga”. Não pelo conhecimento, mas pela atitude. Era sempre eu que tentava ouvir as pessoas e equilibrar os conflitos que a gente tinha em casa...

Se essas palavras tivessem saído da minha boca, não teriam me surpreendido nem um pouco.

Seguimos conversando, enquanto nossa pizza nos é servida e nós comemos. A Flori, porém, troca a comida pelo cigarro. Nego e Leo estão entretidos numa conversa alheia à nossa, isso é mal. Vez ou outra, eu troco um olhar cúmplice com o Preto, eu pedindo ajuda e ele se divertindo.

- A gente podia fazer alguma coisa né? – pergunto aos rapazes, para cortar o papo com a Flori. A gente já tava conversando demais.

- Como o que? Você quer dançar? – pergunta o Leo.

- Gente, eu não posso sair pra dançar desse jeito – protesta a Flori.

- Ah, nada a ver! Olha pra mim, eu tô de chinelo! Mas eu pensei em irmos ao JOBS jogar sinuca! – falo.

- Hum...sinuca pode ser...- diz a Flori.

Todos de acordo, entramos no carro da Flori e partimos. No banco de trás, falo com o Nego, num português rápido e repleto de gírias, para não ser entendido pelos dois à frente, Leo e Flori:

-Seu viado, podia ter me ajudado né? Tá vendo que eu tô tentando fugir da moça...

- Hahahahahaha – uma gargalhada é tudo o que ele me responde.

Ninguém sabe exatamente como chegar no JOBS. Procuramos por uns 20 minutos quando, finalmente, encontramos o lugar. Fechado.

- Che, que vamos fazer agora? – pergunta o Leo.

- Acho que a gente podia ir para Puerto Madero e ficar ali conversando! – falo.

- Ótima idéia! É bom que fica pertinho da minha casa! – diz a Flori.

Ao chegarmos em Puerto Madero, porém, não ficamos nos bancos à margem do rio. Está chovendo.

- Vocês querem subir pra tomar mate? Meu apartamento é logo aqui. – nos convida a Flori.

- Seria ótimo! – fala o Leo, que não quer o fim da noite.

Da varanda do apartamento a vista do bairro é espetacular, mesmo numa noite chuvosa.

- Ê Nego. Olha pra isso! Quem diria? A gente chegou aqui há dois meses com uma mão na frente e outra atrás. Agora estamos aqui, numa varanda de um prédio chique no coração de Puerto Madero. E o mais curioso: não buscamos nada disso. Alguém lá em cima deve gostar muito de nós dois!

- É verdade...- fala o Nego com olhar perdido e tom filosófico.

Nossa última noite em Buenos Aires não poderia ser mais agradável. Nem mais simbólica: dois aventureiros cabeças-de-vento com amizades maravilhosas, num lugar maravilhoso, desafiando a ordem natural das coisas, ousando viver uma vida sem planos e assim mesmo conquistando muitas coisas, de valor inestimável.

- Então vocês vão viver no Uruguai? Por quê? – pergunta a Flori.

Quando voltamos do Uruguai para a Argentina, o Nego falou que gostaria de viver um pouco em Montevidéu. Concordei na mesma hora, sabendo que seria melhor estar longe de Buenos Aires quando a Táta voltasse.

- Sei lá, deu vontade. Assim como deu vontade de sair do Brasil e vir pra Argentina. A gente tirou um tempo pra rodar por aí, sem rumo, e é o que estamos fazendo...- falo.

Seguimos tomando mate e conversando sobre diversos assuntos. Não consigo mais fugir da moça, tampouco ser curto e quase grosso. Ela é legal. Acho que posso tentar ser amigo da Flori sem que o Leo pense que estou dando em cima dela ou algo parecido.

- Ei, você parece o John Travolta! Já te disseram isso? – me fala a Flori.

- Hahahahaha! Não, mas já cansaram de dizer isso ao meu pai! – digo.

Fico muito feliz com o comentário da Flori. Em parte porque acho o John Travolta bonitão. Em parte porque adoro todos os filmes dele. Mas, certamente, o que me faz mais contente é a semelhança que isso demonstra entre mim e meu pai – e quem não gostaria de se parecer com o pai que se parece com o John Travolta?

- Eme, você está com frio? – a Flori nota que o Nego está se encolhendo todo dentro de sua camiseta.

- Não... – ele responde, com pouca firmeza.

A Flori sai um instante e volta com alguns cobertores. Dá um pro Nego, um pro Leo, e o meu...o meu ela bota nos meus ombros, me cobre pessoalmente.

“Merda” – penso.

3 comentários:

  1. É..Robson: Você é um rapaz raro. Honesto, amigo, gente boa de verdade. Com os outros e com você mesmo.
    Mas nem tudo está em nossas mãos. Alguns fatos ou sentimentos são mais fortes do que nós mesmos.
    Creio que não adianta 'fugir' pois o que nos assusta levamos conosco.
    Você não foi desleal e a se a menina simpatizou com você..
    Ah! Você dá de 1000! X 0 no John Travolta!
    Mais um excelente texto!
    P.s. Fiquei curiosa em saber mais...

    Bjos
    Patricia

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  2. excelente texto!!!!!!!!!!!!!!

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  3. mano me passa o tel dessa mina...safadenho...abç Léo

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