terça-feira, 23 de novembro de 2010

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São Paulo, Brasil, 24 de dezembro de 1999.


Aquela foi a melhor festa de natal da minha vida. Aquela noite me marcou pra sempre. A temperatura estava muito agradável. Depois de um tempo no quintal da casa olhando as estrelas no céu limpo, tomando ar fresco e ouvindo Creedence com meus primos Rodrigo e Robertinho, alguém nos convidou para jogar Porco.

Porco é um jogo de baralho onde as pessoas sentam em forma de círculo e recebem, cada uma, quatro cartas (se não me falha a memória). O objetivo é reunir os quatro naipes de uma mesma carta e, para isso, as pessoas entregam – uma de cada vez, no sentido horário – uma carta ao vizinho para, em seguida, receber uma carta do outro vizinho. Quem reúne as quatro cartas primeiro deve abaixá-las e os outros devem parar o que estão fazendo e abaixar as cartas também. O último a abaixar as cartas deve pagar uma prenda, que no caso era beber um copo d’água.

Passaram-se dez anos e a memória já me trai, mas penso que sentaram todos os presentes para jogar, talvez com exceção de minha vó, por estar um tanto velhinha para uma farra dessas. Era a primeira vez que toda a família do meu lado paterno se reunia daquela forma. Todos os tios, tias, primos e primas em harmonia, festejando. A verdade é que isso nunca mais voltou a acontecer. Talvez por isso aquela noite tenha sido tão boa. Mas não foi a festa o que mais marcou em mim naquele dia.

Um de meus vizinhos na mesa de jogo era o tio Raimundo, o mais brincalhão e trapaceiro de todos! O resultado? Eu dei risadas o tempo todo, e não tomei um copo d’água sequer. Acontece que meu tio ficava de olho nas minhas cartas e nas dele, para me passar exatamente as cartas que eu precisava. Tenho certeza que ele fazia o mesmo com seu outro vizinho, pois em alguns momentos eu ficava com seis ou sete cartas nas mãos!

As vezes é legal ser corrupto. Será que as pessoas fazem isso (corrupção) mais pela adrenalina, pelo contentamento de sacanear e não ser pego? Acho que não. Acho que além disso existe mesmo muito egoísmo, o que pra mim também não passa de fruto da ignorância. Claro que naquela época eu ainda não pensava sobre essas coisas – pelo menos não até aquela noite.

Depois do jogo nós comemos a ceia, que estava maravilhosa. Tinha Peru, Tender, Salada de Maionese, farofa, arroz, muito refrigerante, cerveja, sorvete de todos os sabores para a sobremesa, pêssegos em calda com creme de leite...Eu comi muito, fiquei empanturrado. Também tomei muito refrigerante, o que me fez visitar o banheiro a noite toda.

Após a ceia, o diálogo marcante, que deu início à minha busca. Lembro apenas de alguns fragmentos:

- ...o Che lutou para libertar o povo... – disse meu primo Jr.

- ...mas ele matou muita gente... – respondeu meu tio Raimundo.

- ...é, mas esses Yanques matam muito mais... – meu pai entrou na conversa.

- ...pois é... – meu tio Beto apoiou meu pai.

Eles falavam do Che Guevara.

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