domingo, 28 de novembro de 2010

007

São Paulo, Brasil, 2000.

Naquela época domingo era um dia sagrado pra mim. Era dia de jogar bola com os meus primos. Eu adoro jogar futebol. Adoro estar em grupo e me encanta ver a capacidade humana de se unir e trabalhar juntos em prol de um mesmo objetivo.

Meu irmão me chamou lá pelas nove da manhã e eu, como sempre, fiz corpo mole pra levantar. Acontece que minha cabeça, como um velho carro a álcool, precisa esquentar por uns instantes para que possa funcionar. Meu irmão tomou seu banho e tornou a me chamar – impaciente. Não tive muita escolha, levantei.

Enquanto eu tomava meu banho ele se arrumava – seu topete brilhante, metodicamente penteado com gel fixador era motivo de chacotas entre os primos, mas ele nunca se importou com isso. Eu não era assim tão vaidoso naquela época, então botei um calção, minha camisa sete do botafogo (a mesma do Túlio Maravilha) e um boné na cabeça. Tomamos um rápido café da manhã e saímos.

Todo domingo nós repetíamos o mesmo trajeto. Andávamos até a casa de nossa avó, onde encontrávamos com o primo Rodrigo e de lá andávamos, os três, até o condomínio onde moravam meus outros primos KK e Júnior.

Eu era o mais novo dos primos, e também o mais novo da turma do futebol. Sempre era o último a ser escolhido e dificilmente alguém me passava a bola. Fazer um gol, então, era o momento máximo do meu dia – quando eu fazia. Eu gostava de dedicar (em segredo, é claro) os meus gols para minhas “paixonites”. “Hoje vou fazer um gol pra Dani, certeza!” – divaguei, um tanto otimista, a caminho do jogo.

O condomínio é, talvez, o mais lindo da região do extremo sul de São Paulo. Suas quatro torres de apartamentos (com vinte e sete andares) são visíveis mesmo do outro lado da represa do Guarapiranga, ou do bairro da Pedreira. Seu nome é Green Village e deve ter mesmo algumas pretensões inglesas, pois tem até um chuveiro daqueles cuja água é pré-aquecida (diferente dos chuveiros elétricos) e a gente tem que mesclar entre água quente e fria para encontrar uma temperatura agradável.

Como sempre fazíamos, nos anunciamos na portaria, onde o porteiro ligava para o apartamento dos primos para solicitar autorização e nos deixar entrar. Entramos. Passamos pelo vasto gramado – impecável como os gramados ingleses – subimos uma escadaria e entramos no prédio onde eles viviam. Pegamos o elevador e subimos ao décimo sexto andar. Tocamos a campainha e dessa vez foi o Júnior que nos atendeu – o KK jogava Elifoot 98 (um jogo de futebol do tipo “manager”, onde somos o técnico da equipe) no computador.

Na TV da sala tava passava um show (em DVD) de uma banda de rock, que me chamou a atenção. Sentei-me no sofá, seguido por meu irmão e meu primo e ficamos ali, assistindo um pouco. A banda tinha uma performance um tanto enérgica e as músicas eram agressivas. No palco, algo me chamou a atenção: havia uma bandeira com aquela foto famosa do Che Guevara, olhando pro nada. Peguei a capa do DVD e memorizei o nome da banda: Rage Agains The Machine. Fiquei interessado – àquela altura já havia pesquisado um pouco sobre a vida do Che e, por conseqüência, tropecei em coisas como Socialismo e Comunismo.

Depois de uma hora, talvez uma hora e meia, a tia nos chamou pra almoçar. Eu adorava aqueles almoços de domingo – não tanto pela mesa sempre muito farta, ou pela comida sempre muito gostosa, mas pela reunião. Ainda que eu fosse um tanto calado e introvertido, adorava ouvir as histórias dos outros.

Volta e meia eu me lembrava da Dani. Eu a tinha conhecido pessoalmente há poucos dias, depois de uma longa amizade por internet. Eu tinha que fazer um gol pra ela! Era questão de vida ou morte! Acontece que eu adorava fazer apostas com o destino, do tipo “se eu faço um gol hoje, ela será minha namorada”.

- E aí Cinderela – meu tio Raimundo mexeu comigo. Segundo a lenda, ele me chamava de Maguila quando eu era pequeno e eu, com meu temperamento explosivo, não gostava. Ele decidiu mudar. “Se você não gosta de Maguila, vou te chamar de Cinderela”.

- Oi tio – respondi um tanto sem jeito.

- E as namoradas?

- Eu não tenho tio...

- Pô, mas já ta na hora hein?

- ... – sem graça e sem resposta, eu abria um sorriso e ficava calado.

- E esse bigode?

- ...

- Ta virando hominho, olha esse bigode hahahaha.

- ...

- Pára de mexer com o garoto Raimundo! – minha tia Mercês me salvou.

Meia hora depois do almoço nós descemos para a quadra, e já tinha gente esperando. Então começou o ritual:

- Quem vai escolher os times? – perguntou alguém.

- Eu não – disse outro.

- Eu acho que quem tem que escolher são o KK e o Júnior, assim eles não caem no mesmo time! – falou o terceiro, opinião que logo foi aceita por todos.

Sem escolha, o KK e Júnior tiraram “par ou ímpar” para logo depois começar a seleção das equipes. Cinco para cada lado. Havia onze pessoas. Eu fiquei de próximo.

O jogo começou, disputadíssimo. O KK e o Júnior tinham a maior rivalidade que eu já vi na vida. Maior que Corinthians e Palmeiras. Maior que Flaflu. Maior que Grenal. Maior que Cruzeiro e Atlético-MG. Maior que Brasil e Argentina. A rivalidade era tanta que, ao jogar vídeo-game, se aquele que vencesse esboçasse um sorriso, dava briga.

“O negócio ta brabo hoje. Os times estão bem equilibrados. Vai ser difícil. Mas é assim mesmo, coisa boa nunca vem fácil! Hoje eu vou fazer um gol, haja o que houver! Minha vida depende disso! – eu pensava, esperando a minha vez.

O tempo foi passando, eu jogava, meu time perdia, eu esperava, depois jogava, meu time perdia, eu esperava e assim foi a tarde toda, até o momento M (assim como hora H). Lá pelo finzinho da tarde futebolística, já estava todo mundo cansado, menos eu que estava sempre de próximo.

Então aconteceu. A bola sobrou livre pra mim. Só eu e o goleiro. O tempo parou. Eu pensei: “é agora!”. Chutei.

No travessão.

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