segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

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São Paulo, Brasil, 2000.

Eu sempre gostei muito de futebol. Minha infância foi dividida entre o jogo real nas quadras do condomínio onde vivia, da escola e tantas outras, e entre o jogo virtual, no vídeo-game e/ou no computador. Até futebol de botão eu jogava, sozinho, manejando as duas equipes. Em minhas tardes solitárias no apartamento onde morei até os dezoito anos, eu chegava a jogar futebol com bolinhas de tênis, fazendo um gol com caixa de sapato e barreiras de chinelo, que me atrapalhavam nas “cobranças de faltas”.

Quando não estava jogando em nenhuma dessas “modalidades” que citei, estava grudado na TV assistindo programas esportivos em todos os horários, jogos ao vivo de qualquer time – quando jogava o meu time, ou a seleção, mal piscava os olhos – e até jogos “clássicos”, antigos, gravados e exibidos em programas como “Grandes Momentos do Esporte”, da TV cultura.

Naquela época, eu não fazia idéia que “o mundo era ali ao lado”, e que eu poderia conhecer outros lugares, outras pessoas. Minha vida até então era muito fechada em mim mesmo. E meu sonho era ser jogador de futebol.

Minha mãe sabia disso. No começo daquele ano de 2000, ela me falou:

- Robson, eu gostaria de pagar um curso pra você.

- Um curso?

- Sim. Eu coloquei seu irmão pra fazer inglês, então gostaria de pagar um curso pra você também.

- A, legal.

Eu não via a menor necessidade de estudar inglês, naquela época. Desnecessário dizer o quanto eu estava equivocado.

- Mas você não precisa fazer inglês, se não quiser. Pode escolher outra coisa.

- Sério? Então eu quero fazer escolinha de futebol!

Era exatamente o tipo de coisa que minha mãe esperava ouvir.

Passei o ano treinando na escola de futebol do clube de funcionários da Eletropaulo. Jogava de volante, uma posição que eu não gostava nem um pouco. Com a bola, eu sempre ia mais pra frente – para desespero do treinador – e atuava quase como um meia ofensivo. Sem a bola, voltava rápido para a defesa e dava o primeiro combate no adversário, como um volante deve fazer.

O pai de um amigo meu (também treinador de equipes infanto-juvenis), ao assistir nosso jogo numa manhã nublada de domingo, comentou com o treinador que eu deveria jogar mais adiantado, que sabia distribuir bem a bola e que tinha um ótimo chute de longa distância. Eu não entendia porque o treinador me botava de volante, mas assim mesmo seguia suas instruções, pensando na equipe como um todo.

Nessa época eu li um livro chamado “Sabor de Vitória, do Fernando Vaz. Com o futebol como pano de fundo, o livro trabalha valores como lealdade, honestidade, perseverança, etc. Com certeza esse livro teve um papel importante na formação da minha personalidade – o li um sem-fim de vezes.

Assim como acontece com o personagem principal do livro (chamado Delem, se não me falha a memória), eu passei por um momento crítico num jogo importante. Numa jogada de contra-ataque, meu adversário me driblou, seguiu adiante e fez um gol. No mesmo instante meu treinador me tirou do jogo, aos gritos:

- Por que você não fez a falta?

Não respondi, ele não entenderia.

Hoje eu até entendo que a falta faz parte do jogo e pode ser usada como recurso (desde que não seja feita de forma violenta, claro), mas naquela época me parecia desonesto e não pude fazê-la. Importante não é discutir se é ou não honesto fazer falta no futebol. Importante é saber que sigo uma pessoa muito honesta com os outros, e sigo tentando ser, cada vez mais, honesto comigo mesmo.

É diferente ser honesto com os outros e ser honesto consigo mesmo. Numa situação onde você precisa ser honesto com outrem, geralmente você tem conhecimento da mentira e da verdade.

Quando a gente é desonesto consigo mesmo, o faz por desconhecer a verdade. É difícil olhar para si mesmo e saber quais são as razões que te move, que te motiva a fazer as escolhas que faz e a tomar as atitudes que toma.

Mesmo com esse episódio, o treinador me indicou para a principal equipe da minha categoria no clube da Eletropaulo. Aquele foi o auge da minha “carreira” futebolística, já que no ano anterior eu tinha participado de uma “peneira” (um teste) para entrar na mesma equipe e não tinha sido bem sucedido.

Naquele mesmo ano de 2000, minha paixão pelo futebol dividia espaço em meu coração com minha paixão pela Dani. Ambas as paixões tinham a mesma intensidade, a mesma importância para mim – pelo menos era isso que eu pensava e sentia. O futebol era a coisa mais importante, e a Dani era a pessoa mais importante.

E por ser ela a pessoa mais importante pra mim, eu resolvi fazer um “pacto” com Deus. Olhando pro céu, da janela do meu quarto no apartamento onde eu morava, eu observava a copa dos enormes eucaliptos - eternos na praça central do bairro – dançando ao sabor do vento, sob um céu negro e estrelado.

Com os olhos cheios de lágrimas, as quais também escorriam pelo meu rosto, eu falei pra Ele:

- Eu abro mão do futebol. Eu amo muito a Dani, abro mão do futebol que é a coisa mais importante pra mim, em troca de tê-la como namorada.

Eu não sei que valor teve essa atitude. Não sou jogador de futebol e tampouco namorei a Dani. A verdade é que eu não tinha nenhum e nem outro, então como poderia trocar esse por aquele?

Fato é que, ainda hoje, eu penso como seria ser jogador de futebol. Às vezes, penso até em estudar para ser técnico de futebol, ou jornalista esportivo. Como naquela época, eu ainda não consigo ser totalmente honesto comigo mesmo.

Talvez essa “renúncia” ao futebol tenha sido nada mais que uma demonstração da minha falta de fé – ser jogador de futebol é muito difícil. Talvez fazer um curso de treinador ou de jornalismo, agora, seja também uma demonstração da minha falta de fé – ser um músico consagrado é tão difícil quanto.

Mais difícil que qualquer coisa, porém, é ter fé em algo que acreditamos fora de nosso alcance – seja fé em Deus, seja fé em qualquer força superior ou mística, seja fé na realização de nossos sonhos.

O intelecto é inimigo da fé – pelo menos na grande maioria dos casos. Quanto mais uma pessoa se desenvolve intelectualmente, menor fica a sua capacidade de ter fé. Ter fé segue sendo um desafio mesmo pra mim, que já tive inúmeras demonstrações do poder construtivo e realizador que o simples fato de querer e acreditar em algo possui.

Eu quero seguir acreditando no meu sonho de ser um músico famoso. Eu quero ter fé que isso pode acontecer. Não é fácil acreditar nisso, e por isso mesmo eu sigo buscando algo pra fazer à parte da música.

O que me conforta é acreditar que, independente de qualquer coisa, Deus sabe o que é melhor pra mim, e qualquer que seja Seu plano, é um plano bom. Se até uma das mentes mais brilhantes que o mundo já viu, Albert Einstein, acreditava em Deus, fica fácil pra mim acreditar também.

Um comentário:

  1. Olá Robson,
    Gosto muito quando você faz esse paralelo 'do ontem' com o 'hoje' em sua vida. Porque mostra que ambos ainda estão juntos e um tem influência sobre o outro.
    Creio que nosso maior adversário seja nós mesmos. Temos que vencer primeiro a nós mesmos para conquistar nossos sonhos que também mudam. Você viveu e vive suas etapas. O futebol foi uma delas. E cada uma dá a você mais experiência. Nas suas buscas acredite sempre em você. Confie em você e corra atrás do seu sonho. O Universo está sempre conspirando ao seu favor.
    Parabéns pelo texto.
    Bjos
    Patty

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