domingo, 27 de fevereiro de 2011

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Montevidéu, Uruguai, 04 de janeiro de 2011

Caminhando pela orla da praia do Río de La Plata, em direção ao porto, baixo um céu azul sem nuvens, o assunto ganha um tom mais sério.

- Eu não sei até que ponto eu gostaria que minha música fosse comercial – fala o Leo.

- Por quê? – pergunto.

- Porque meu objetivo não é fazer música comercial, sei lá... – ele responde.

- O meu objetivo é fazer música o mais comercial possível! – falo.

- Sério? – ele pergunta.

- Sim! Eu acredito que, quanto mais comercial for, maior alcance terá e, quanto mais alcance tenha, mais eu vou poder fazer em prol do meu objetivo. Lembra que eu falei que quero levantar dinheiro para obras assistenciais e tal?

- Sim, eu lembro. Pensando assim, até que não seria tão mal fazer música bastante comercial...Eu só tenho medo de me deixar levar pela fama...

- Sim, eu também, é por isso que tenho feito tantos “treinamentos”, como ser vegetariano e tal.

- E você, Emerson, o que pensa? – Leo pergunta ao Nego.

- Eu não sei...acho que não tenho tanta vontade de ser tão famoso assim...- responde o Nego, meio hesitante.

- Será mesmo? Talvez você pense assim porque no fundo sente que não é capaz de conseguir atingir esse objetivo – fala o Leo.

- Acho que não, eu não tenho necessidade de ser tão famoso...- retruca o Nego.

- Imagina a seguinte situação: eu conheço alguns amigos que me falam que não têm vontade de comprar um carro porque não querem poluir o meio-ambiente. Talvez até seja verdade, mas a julgar pela vida pouco abastada que eles levam, isso me soa como uma desculpa. Eles não se acham capazes de comprar um carro, por isso falam essas coisas. Eu veria, de fato, uma preocupação com o meio-ambiente se um amigo que tem um carro abrisse mão do mesmo para andar de ônibus, entende? – explica o Leo.

- Mais ou menos...- fala o Nego.

- O que ele ta falando é que é muito mais fácil renunciar a algo quando a gente não tem e não acredita ser capaz de possuí-lo. Difícil mesmo é a gente batalhar, conseguir alguma coisa e depois abrir mão dela... – falo.

Eu nunca tinha pensado nas coisas sob esse ponto de vista. Tenho levado uma vida sem muito dinheiro, às vezes até difícil, e sempre acreditei estar fazendo isso por opção. Agora, porém, ao ouvir estas palavras do Leo, algo me incomoda: “será que eu estou, na verdade, me escondendo atrás de algumas desculpas por não acreditar ter capacidade de ser alguém rico, bem sucedido?” – me pergunto.

De fato, seria diferente ser um profissional bem sucedido, ter muito dinheiro, ser muito rico, e seguir levando essa vida simples. Faz bastante sentido o que fala T. Harv Eker em seus “Segredos da Mente Milionária”: é muito mais fácil ajudar as pessoas quando se tem dinheiro; como alguém que não tem nem para si vai poder ajudar outras pessoas?

Avistamos, ao lado do porto, um escritório da “Buquebus”, a empresa pela qual viajamos de Buenos Aires a Colonia del Sacramento. O Leo sugere que perguntemos se é possível trocar a passagem de volta, para sairmos de Montevideo com destino a Buenos Aires. Nós vamos, perguntamos, descobrimos que ficaria muito mais caro e rapidamente desistimos da idéia. Saímos do escritório e seguimos caminhando.

Chegamos no porto, e o cenário me fascina. No rio, a presença de um imponente navio de cruzeiro suscita em mim um dos meus desejos mais íntimos, quase primitivo: lançar-me ao mar. Talvez por ler muitos clássicos em minha infância/adolescência, como “Robinson Crusoé”, “Moby Dick” e “Vinte Mil Léguas Submarinas”, ou talvez por haver sido um marinheiro em outra vida (às vezes eu realmente acredito nisso), o fato é que navios me encantam tanto quanto tenho medo do mar (seguramente morri afogado nesta outra vida!).

Tiramos algumas fotos – muitas – e seguimos caminhando. Eu tenho certeza que não poderíamos estar ali, mas há algum tempo eu deixei de ser tão “rigorosamente certinho”. Às vezes as regras podem – e devem – ser quebradas. Muito do nosso desenvolvimento enquanto seres humanos se deve a isso.

Os milhares de “containers” coloridos, espalhados, empilhados ou por empilhar me levam àquelas cenas clássicas de filmes como “Máquina Mortífera” ou “A Hora do Hush” onde sempre há uma perseguição por lancha que acaba num porto, com muitos tiros, um mocinho ferido e um bandido morto/preso. Estar num lugar assim, que só conhecia pela televisão, me enche de uma alegria e um sentimento de “uno com o mundo” inexplicável.

Andamos um pouco mais, tiramos mais algumas – muitas – fotos (inclusive do Leo encima de uma empilhadeira) e, na hora de sair, minha suspeita se confirma:

- Onde vocês vão? – pergunta o guarda.

- A gente vai sair... – falo.

- Mas aqui não é saída de pedestres. O que vocês estão fazendo aqui?

- A gente foi no escritório do Buquebus – penso e falo rápido, sabendo que a desculpa certamente vai soar frágil e descabida, mas é o melhor que temos.

- E porque não saíram por lá, onde entraram? – guarda esperto.

- Hum...a gente queria conhecer o porto...

- O Porto não é aberto a visitação, caminhar por ele é proibido. Eu vou deixar vocês saírem por aqui, mas deveria fazer vocês voltarem.

Certeza que esse guarda tá acostumado com turistas.

***

A cozinha/refeitório do hostel está vazia, com exceção do Nego e do Leo, sentados nos computadores de uso coletivo, e de mim, lendo um livro e fazendo um lanche. A moça dos olhos azuis já passou por aqui algumas vezes, nossos olhares se cruzaram em todas.

Uma outra moça, loira também, senta numa mesa próxima a minha, com uma garrafa térmica e os aparatos para tomar mate: uma cumbuquinha onde coloca a erva-mate moída, e uma espécie de canudo de alumínio onde uma das extremidades tem uma bolota cheia de furinhos, pelo qual se toma o líquido.

Tomar mate é um costume argentino e uruguaio. Coloca-se erva e água quente na cumbuca, e pelo canudinho – cuja bolota furada impede a passagem da erva, mas permite a passagem do líquido – se toma o chá. Alguns tomam com açúcar, e esse é chamado “mate doce”.

- Você aceita um pedaço de bolo? – pergunto a moça.

- Não, obrigada. – ela responde.

- De onde você é? – pergunto.

- Argentina, e você?

- Eu sou do Brasil, mas estou vivendo na Argentina agora!

- Mesmo? Em que cidade?

- Buenos Aires, e você?

- Também...

Nego e Leo se juntam a conversa. O irmão da moça – Floriana é o nome dela – aparece pouco depois e conversamos todos por um bom tempo.

***

Deitado na cama antes de dormir, conversando com o Nego, ele faz uma pergunta que ecoa em minha cabeça:

- Por que você se machuca tanto com todas essas dúvidas, conflitos e treinamentos?

Um comentário:

  1. Olá Robson!
    Creio que na verdade quando se trabalha para o publico - no caso da musica- o sucesso é um desejo. Ainda que não assumido. Ver o trabalho divulgado e apreciado é prazeroso. Mas somente os bons ficam. E talvez 'esse cair de ficha' é que assuste.
    Mas não devemos desistir do que desejamos.
    Seus textos são sempre envolventes e fazem com que reflitamos...

    Bjos
    Patricia

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