segunda-feira, 9 de maio de 2011

060

São Paulo, Brasil, 2003.

“Merda, o que eu vou fazer? Não tenho dinheiro nem pra pagar o ônibus. Ainda que isso não tenha a mínima importância pra Ná, eu morro de vergonha.” – pensava, num misto de desespero, impotência e tristeza.

O dia estava meio nublado, era outono (ou inverno, sei lá) em São Paulo e, ainda que o frio não fosse tão rigoroso como pode ser em outras partes do mundo, pode-se dizer que estava muito frio para os padrões paulistanos. Mesmo dentro do apartamento, com as janelas fechadas, uma blusa e uma calça se faziam necessários.

Eu já estava pronto pra dizer a Ná que tava duro – não adiantaria pedir dinheiro pra mãe ou pro pai – quando de repente, num passe de mágica, tudo se resolveu. Ou mais ou menos isso.

- Toma Robson! – disse meu irmão.

As notas de vinte reais eram novidade naquela época e, por isso mesmo, eu ainda não tinha manuseado muitas como aquela que meu irmão acabara de entregar-me, dobrada de maneira a assumir ¼ de seu tamanho normal.

- Ué, por que você tá me dando isso? – perguntei, surpreso.

- Por nada, presente! – falou o Má, com um sorriso no rosto.

“Uau! Parece que ele adivinhou que eu tava completamente duro e precisando muito de dinheiro pra sair com a Ná!” – pensei, enfiando a nota (ainda dobrada) no bolso.

- Valeu! – agradeci.

Receber aquele dinheiro foi um verdadeiro alívio. Eu não podia cancelar aquela saída com a Ná, e não por vergonha de dizer que tava sem grana. A gente tava indo fazer a prova do ENEM e não podíamos perdê-la por nada no mundo. Feliz da vida, eu falei pra Ná:

- Não precisa levar o seu dinheiro, eu tenho suficiente pra nós dois!

Saímos.

De mãos dadas descemos as escadas do prédio, cruzamos praticamente todo o condomínio onde eu morava, atravessamos a Avenida do Arvoreiro, passamos pelo posto Esso e chegamos no ponto de ônibus, onde esperamos alguns minutos até embarcarmos num coletivo da linha “Metrô Jabaquara – Pq. Residencial Cocaia”.

A Ná passou pela catraca primeiro, enquanto eu entregava a nota de vinte reais, ainda dobrada, para o cobrador. Esperei o troco antes de também passar pela catraca, mas o que recebi não foi exatamente o que esperava.

- Você tá me zuando? Tá querendo me enganar? – esbravejou o cobrador. Não entendi nada.

- Por quê? O que houve? – perguntei, espantado.

- Por que o que, rapá? Tá achando que eu sô moleque?

- Não tô entendendo – disse, com uma cara de surpresa que parecia enfurecer ainda mais o cobrador, que pensava ser dissimulação minha.

- Essa merda é falsa porra! Você achou que eu ia cair nessa?

Foi então que eu vi a nota desdobrada na mão do cobrador. Nem sequer era uma nota falsa – era um desses “flyers” de ação promocional de financeiras, onde uma das faces tem impressa a imagem de uma nota e, na outra face, as condições de empréstimo de dinheiro. Obviamente a nota de vinte reais foi escolhida pela financeira por ser novidade. Eu fiquei sem palavras, e sem chão. Por um instante – talvez mais breve que um segundo – as coisas se moviam em câmera lenta, sem sons, como nesses filmes de ação que imitam aquela célebre cena de “Matrix”.

- Cara, eu não sabia, juro! – falei, quando voltou a fala.

- Cê acha que eu vou cair nessa? Vou mandar o motorista tocar pra delegacia!

Nesse meio tempo, a Ná conseguiu com alguém (um conhecido de algum lugar que por coincidência tava no mesmo ônibus que a gente) um vale-transporte (naquela época ainda eram de papel, em SP) e pagou a dela, já que ela havia girado a catraca.

- Por favor, deixa eu passar por baixo – pedi, com toda a cara-de-pau do mundo. Sim, eu tava desesperado.

Talvez o fato de receber a passagem da Ná tenha acalmado um pouco a ira do cobrador e, como por milagre, ele deixou-me passar por baixo da catraca e seguir viagem. Fomos para a parte de trás do coletivo, perto da porta, onde botei a cabeça no colo da Ná, ainda abalado. Enquanto ela dizia pra eu me acalmar, eu podia ouvir o pessoal falando: “a mocinha não teve culpa de nada! A culpa é do rapaz, ele que é um safado!”.

Descemos do ônibus na parada perto da Universidade Ibirapuera, onde fizemos a prova. Tivemos que voltar andando para o apartamento – pelo menos a gente gostava de caminhar e conversar. Quando chegamos em casa, contamos aos risos tudo que aconteceu. Alguns meses depois, recebi uma carta com as notas do exame: 73 na parte de questões objetivas e 100 na redação.

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