terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

039

Algum ponto entre Colonia e Montevidéu, Uruguai, 03 de janeiro de 2011

Quando a fumaça finalmente se foi, nós nos sentamos e comemos panetone (outra vez). Depois da “janta”, eu fui o primeiro a dormir – não, a cochilar, porque dormi apenas uma hora antes de despertar ouvindo o Nego e o Leo conversando. Olho no relógio, faltam dez para a meia-noite.

- Che, quem quer dormir agora? – pergunto.

- Dorme mais. Você não dormiu quase nada! – fala o Nego.

- Não, não vou conseguir dormir de novo, por enquanto. Melhor um de vocês aproveitar para dormir também.

Ao ouvir essas palavras, o Leo resolve deitar um pouco. Ele está muito cansado também. Fico de vigília com o Nego, e o Nego com seu pau em mãos, como se estivesse esperando o pior. A verdade é que eu estou com um pouco de medo também, mesmo acreditando que nada de mal vá acontecer.

- Enquanto você dormia, a gente ouviu alguma coisa. Parecia um animal se aproximando – diz o Nego.

- É? E aí? – pergunto.

- Aí nada. Não vimos nada e o barulho parou.

- Hum...

Ficamos em silêncio. Noto que o Nego quer seguir conversando, mas eu não tenho vontade de ficar sussurrando, e falar mais alto que isso impede o Leo de dormir. Eu me encosto na parede ao lado da janela e fico olhando o céu.

A ausência de luz artificial somada a ausência de poluição (ou pelo menos de “muita” poluição) faz do céu algo quase irreconhecível para mim. Apesar do negrume intenso da noite, a enorme quantidade de estrelas que se pode ver cria uma tonalidade quase etérea, misturando o preto do espaço ao branco das ditas cujas, junto com o azul escuro da atmosfera fracamente iluminada que se pode notar no entorno dos milhares de pontinhos luminosos.

“A Táta iria adorar ver isso” – penso.

- Parece o céu que a gente viu em Trindade, né? – o Nego puxa assunto outra vez.

- Sim, parece. Fala baixo. – digo.

Essa frieza basta para tirar do Nego o ânimo de conversar – pelo menos por enquanto.

***

O Nego está dormindo também. Essa noite está sendo muito longa. Talvez por não estar fazendo nada, só pensando na vida; talvez por estar com medo de que algo aconteça; talvez por estar cansado e não agüentar mais ficar em pé; talvez por estar morrendo de sono... Não sei exatamente porque, mas é fato que esta noite está maior que o normal.

“É isso que eu devo fazer. Esse não é o momento. Muita água vai rolar debaixo dessa ponte. Depois, o que tiver que ser, será” – penso.

Noto dois pontinhos verde-fosforecentes (como interruptores) voando entre o mato alto e as árvores perto da casa. Há muitos anos eu não via vaga-lumes – a última vez foi no condomínio onde vivia em São Paulo, numa das freqüentes noites em que ficávamos sem energia elétrica. Lembro que fazíamos lanternas com latas de achocolatado em pó e vela, pegávamos um pote de vidro de maionese e saíamos para “caçar” os bichinhos alados de bumbum luminoso.

Da maneira como surgiram, desaparecem: de repente. Volto a olhar para o céu quando noto uma estrela cadente. Dizem que devemos fazer um pedido nessa hora, que ele certamente será realizado. Eu adoraria pedir outra coisa, mas não consigo. Em vez de desejar o que realmente quero, eu peço: “espero que a Táta possa entender os meus motivos”. Eu estou decidido.

Ainda são uma e quarenta da manhã.

***

Agora o Leo está acordado também. Ele, como o Nego, não gosta de – ou não consegue – ficar calado por muito tempo.

- Olha che! Um OVNI! – ele fala.

De fato há um ponto luminoso se mexendo no céu, mas a julgar pelo seu movimento retilíneo de velocidade constante, não me parece um OVNI. Talvez seja outro meteorito se consumindo em chamas, devido ao atrito, ao entrar em nossa atmosfera.

- Uma vez eu tive um sonho, mas não tenho certeza que era sonho. Eu tava na minha cama quando tudo começou a tremer, e entrou uma luz forte pela janela. Eu comecei a escutar um som estranho, mas eu entendia que era alguma coisa falando comigo...

Não sei se ele realmente acredita nisso ou se está brincando.

Olho no relógio: três e meia da manhã. Que noite longa.

***

Quatro e quarenta e cinco. O Leo está dormindo de novo. O Nego se levanta e manda eu deitar um pouco. Faço o que ele diz.

***

Parece um pesadelo, mas não é. Acordo sem acreditar no que está acontecendo. Totalmente desprotegido, só me resta correr e procurar um lugar para me abrigar. Noto que o Nego também está acordando desnorteado com a situação, tentando entender o que está acontecendo com o Leo que ficou de vigília no último turno antes de amanhecer. A gente não devia tê-lo deixado sozinho.

- Não acredito! – falo pro Nego.

- Nem eu! – ele responde.

A gente levanta rápido.

- Você ta vendo isso? – pergunto.

- Sim! – ele responde.

Não é uma visão. Não é um pesadelo. De fato isso está acontecendo. O Leo acendeu de novo a fogueira dentro do nosso quartinho, que já está cheio de fumaça outra vez. Desespero e incredulidade tentam, mas o que me domina – novamente – é o fumaceiro desgraçado que toma conta do lugar.

- Che, por que você acendeu essa fogueira de novo? – pergunto ao Leo.

- É que eu fiquei com frio...

Sem outra escolha, arrumamos as coisas e pegamos a estrada novamente. São seis e pouco da manhã. O dia está amanhecendo e promete ser muito lindo.

Um comentário:

  1. ah porque não tá escrevendo mais mano, sinto falta da leitura diaria, tem que arrumar tempo pra tudo o que você faz bem, ahahhahahah.


    nego

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