quinta-feira, 9 de junho de 2011

062

Buenos Aires, Argentina, 28 de janeiro de 2011.

Como de costume, ligo o computador ao acordar e vou lavar o rosto. Volto, digito a senha e vou para a cozinha preparar o meu café da manhã: pão de ontem com café coado no papel higiênico – algo perfeito pra mim e minha visão romântica do mundo.

Enquanto como, abro minha caixa de email, e logo a adrenalina sobre: recebi uma resposta do trabalho ao qual me candidatei, também por internet, no dia anterior. O texto, em espanhol argentino, diz:

“Olá Robson.

Me chamo Inês e gostaria de fazer uma entrevista com você.

Se não houver problema, podemos fazê-la hoje, na Avenida de Mayo às 14 horas.

Saudações,

Inês.”

Respondo o email no mesmo instante, com um sorriso no rosto e um enorme sentimento de gratidão. “Nunca mais eu vou duvidar que as coisas sempre acontecem exatamente da maneira que a gente quer! Basta saber o que se quer e isto nos é presenteado por Deus, pelo universo, pelo nosso inconsciente ou seja lá qual for o nome dessa força misteriosa que nos rege”, penso.

Pouco tempo depois o Nego acorda e lhe dou a notícia. Ele não reage muito bem, mas eu já esperava por isso. “Tudo bem, cada um tem o próprio caminho a percorrer e as próprias lições a aprender, eu não vou mudar o meu rumo, nem perder minha calma por isso”, penso enquanto deixo de ouvir as queixas dele.

Enquanto tomo meu banho, vou imaginando a entrevista, como vou me portar, o que vou dizer...Estou um pouco nervoso. Ainda que meus amigos me digam que meu espanhol é bom, não estou seguro que tenho nível para conseguir um trabalho – principalmente um trabalho como esse, onde terei que lidar com o público. “Ok, eu tenho a vantagem do português, e posso me virar com o inglês. Tomara que isso seja suficiente” – vou tirando a espuma do xampu e pensando.

Saio do banho vestido com uma calça jeans e, enquanto coloco uma camisa branca – uma das poucas roupas que ainda tem um bom aspecto – vou lembrando da Anni: “saí de Montevidéu desejando exatamente isso, trabalhar como a Anni, num lugar cheio de gente, com boa energia, mas nunca pensei que fosse conseguir isso assim tão rápido...”.

Convido o Nego para me acompanhar até o local da entrevista, e ele aceita. Juntos caminhamos até o ponto de ônibus, onde pegamos um que, segundo ele, nos deixa na esquina da rua onde vamos.

- E aí, como você tá? – ele pergunta.

- Bem, só um pouco nervoso. – respondo.

- Vai dar tudo certo, você vai ver. Eu só fiquei um pouco triste porque você não vai mais morar comigo, mas fica tranqüilo.

- Deus te ouça.

Passamos do ponto e temos que voltar duas quadras caminhando, mas não há problema porque saímos bem cedo de casa. Tiro o papel com o endereço do bolso e logo encontramos o lugar. Como não poderia deixar de ser, é um prédio antigo. Mas esse, diferente dos outros, está muito bem conservado, tem uma fachada linda. Talvez por estar muito próximo da casa de governo, a famosa Casa Rosada, e por estar na avenida que liga esta ao congresso da nação.

Chega o momento e estou quase tremendo de ansiedade. Me despeço do Nego e vou em direção ao prédio. Toco o interfone e me anuncio. A voz do outro lado pede para eu subir pela escada, porque o elevador – que não faz parte do projeto original do edifício – não pára no primeiro andar.

“Seja o que Deus quiser. Tenho certeza que, independente de qualquer coisa, o plano que ele tem pra mim é o plano perfeito pra minha vida. Eu quero muito esse emprego, era exatamente o que eu estava buscando, mas se não for dessa vez, tenho certeza que será da próxima”.

A porta, que está aberta, contém os dizeres: “Hostel de Mayo, seja bem-vindo”.

Uma voz vinda lá de dentro me convida a entrar. Devagar, mas decidido, entro no apartamento. Passo por um corredor com portas à direita e à esquerda, com pé direito alto (talvez uns 5 ou 6 metros) e depois de uns 4 metros chego ao ambiente que, dividido sem paredes abriga a sala e a cozinha e, ao fundo tem um mezanino onde fica o escritório. A mesma voz me diz para sentar-me à mesa, enquanto sua dona desce as escadas do mezanino e vem a meu encontro.

- Olá, como está? Sou Inês, muito prazer! – me cumprimenta uma senhora alta, gorda, de cabelos cacheados relativamente longos e com uma franjinha, e óculos escuros.

- Bem. Sou Robson, prazer – respondo.

- E então, porque você está na Argentina?

- Eu vim para estudar...

- Estudar o quê?

- Ainda não tenho certeza, talvez jornalismo.

- Que bom! Eu sou jornalista, trabalhei para o Clarín muitos anos, e já estive no Brasil também, trabalhando para a Folha de São Paulo. Posso te ajudar com isso. Você está trabalhando?

- Não, eu estou me mantendo com um dinheiro que tinha guardado, e como ele já está no fim, preciso conseguir um trabalho.

- Você já tem o documento argentino?

- Ainda não, mas já sei como fazer, e vou agendar o meu turno no departamento de imigração.

- Entendo. Você precisa correr com isso, porque eu não posso ter funcionários ilegais aqui. Há quanto tempo você está na Argentina?

- Há três meses.

- Só isso? E você já sabia espanhol?

- Não.

- Mas você fala muito bem, parabéns! Claro que ainda não está perfeito, mas te falta pouca coisa. Você não fala “portunhol” como a maioria dos brasileiros que eu conheço.

- Obrigado.

- Bom, aqui é um hostel e, como você já sabe, a diferença entre um hostel e um hotel é que no hostel as pessoas dividem os quartos, ou seja, temos 4 camas por quarto, ao passo que num hotel os quartos são privados. O seu trabalho vai ser atender os hóspedes no turno da noite. Você vai receber gente de todos os cantos do mundo, como está o seu inglês?

- Não é tão bom como o espanhol, mas eu posso me virar...

Saio da entrevista levitando. Sinto uma felicidade que quase explode meu peito. Tudo correu muito bem. Consegui o trabalho, e de quebra, um lugar lindo para morar – já que vou trabalhar e morar no local. Olho pro céu e agradeço: “muito obrigado, Anni”.